domingo, 30 de janeiro de 2011

Na natureza selvagem

por Luiz Guilherme

Até que ponto o ser humano pode se dizer livre? Até que ponto somos independentes e responsáveis por nossas atitudes? Seria a liberdade absoluta mera utopia? Para Christopher MacCandless, a resposta era simples: sim, a liberdade máxima e absoluta existe, porém não quando se vive em sociedade; não quando se é envenenado pelas civilizações e oprimido por leis e obrigações maçantes; não quando se exalta bens materiais e relações que nos afastam da verdade de nossa existência.

De maneira no mínimo louvável, o ator e diretor Sean Penn trouxe às telas Na Natureza Selvagem, filme que relata a busca de Christopher MacCandless por essa liberdade, que, para ele, só poderia ser encontrada em meio à natureza, retornando ao estado natural, deixando para trás a estrutura de uma sociedade opressora.

A história de MacCandles é verídica e foi transformada em livro pelo autor Jon Krakauer em 1997. Christopher Johnson MacCandless nasceu em 1968 e cresceu no estado da Virgínia (EUA). Filho de um engenheiro da Nasa e altamente influenciado por seus autores favoritos – que incluíam Tolstói, Thoreau, Jack London, entre outros –, aos 22 anos, após se formar na universidade com notas praticamente perfeitas, MacCandless doa todas as suas economias para a caridade e, sem avisar a família, foge em busca de sua aventura física e espiritual. Tornando-se, então, o andarilho Alexander Supertramp, durante dois anos MacCandless viajou por estradas, campos e rios sem um destino certo, jornada esta que se mostraria como uma preparação para o que ele chamava de “A grande aventura”: enfrentar a solidão e a imensidão do Alasca, para ele o ponto mais isolado da civilização e onde ele estaria em verdadeira comunhão com a natureza e longe das relações humanas que tanto o incomodavam.

Na melhor atuação de Sean Penn como diretor, o filme conta com a imprescindível participação do diretor de fotografia Eric Gautier (Diários de Motocicleta), que consegue inserir o personagem nas paisagens não apenas como um coadjuvante, mas como parte integrante da mesma. Isso sem falar da grande atuação de Emile Hirsch (O Despertar de uma Adolescência, Milk, Aconteceu em Woodstock), que pareceu ter encontrado o papel mais significativo de sua carreira até então: Hirsch perdeu cerca de 15 quilos para fazer as cenas finais do filme e recusou a participação de dublês mesmo nas cenas mais perigosas. A trilha sonora fica por conta do cantor Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam. Neste trabalho solo, Vedder, que já havia sido parceiro de Sean Penn no filme Os Últimos Passos de um Homem, tocou todos os instrumentos em várias das músicas e compôs uma trilha que caiu como uma luva no ritmo e na fotografia do filme, ajudando a contar a história e a passar os sentimentos do personagem.

***

Na Natureza Selvagem é um filme visualmente, sonoramente e emocionalmente bonito, e faz uma profunda reflexão sobre a sociedade e as relações humanas. É claro que a ideia de felicidade é algo totalmente relativo. Não existe uma fórmula, uma receita ou um manual de como ser ou onde encontrar a felicidade, e não há como negar que essa felicidade esteve presente em vários momentos da vida de MacCandless desde que ele optou pelo isolamento. Não nego, também, a possibilidade de que talvez seja possível viver e ser feliz dessa maneira e, por isso, respeito e admiro sua busca; no entanto, acho que há muito mais nas relações humanas, no contato com o outro, na humanidade que cada indivíduo traz em si, no universo de possibilidades que há em cada ser humano, mesmo se por muitas vezes esse convívio se mostre demasiadamente complicado e difícil.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Os dois paradigmas

por Ricardo Carvalho

O texto postado pelo caro Matheus, que se intitula “A Metáfora da Rede Elétrica”, despertou em mim, quase que de modo imediato, duas possíveis concepções de fundo que se apresentam como determinantes das deliberações, ou seja, das decisões que de modo unilateral têm sido tomadas no que diz respeito ao uso dos meios tecnológicos.

É bom lembrar que a tecnologia produzida pela ciência em geral não tem um fim em si mesma, mas se configura como um meio para a manipulação e dominação das condições naturais em que vivemos. Sendo assim, a tecnologia enquanto posta como meio, não é boa nem ruim. Tão logo, a questão do uso da tecnologia não está condicionada por ela própria, mas ela, enquanto simples meio, está condicionada pelos fins, ou seja, pelos objetivos que damos a ela, e que somente por meio dela nos é possível alcançar, uma vez que o homem não age de outro modo em relação à natureza, senão por meio da técnica.

Com efeito, quais são os fins que queremos alcançar com os meios tecnológicos disponíveis? A determinação destes fins implica decisões geralmente tomadas de modo unilateral, que infelizmente não são deliberações tomadas dentro do campo democrático em que a sociedade civil se demonstra ativa, sobre as quais nem mesmo os cientistas em geral têm arbítrio. Mas como o próprio Matheus já cita, são as grandes corporações que financiam geralmente as pesquisas, ou quando não, o que tem se tornado assaz comum, acabam por coptar pesquisas financiadas com recursos públicos para os seus fins privados.

Isto é sintoma comum do que chamamos de neoliberalismo ou a doutrina do livre mercado idealizada por Milton Friedman, que potencializou o afã selvagem pelo lucro a partir da coptação dos ativos estatais em todo mundo pelas ambições privadas das grandes corporações, o que teve como resultado o desmonte do Estado de Bem estar Social pensado Keynes após a queda da bolsa em 29.

Portanto, as decisões são determinadas pelos fins, isto é, o que se quer alcançar ao decidir? Quais são os fins que se procura alcançar com as decisões que determinam as aplicações tecnológicas existentes? Será a sustentabilidade do planeta ou a disseminação do bem comum? Bem sabemos que não, e o texto do Matheus é claro acerca disso. O único fim, o fim último de todas as decisões e ações, seja no mundo corporativo, político ou ético, se tornou o lucro.

Haja vista, o fato de vivenciarmos em nossos dias a raridade de atos genuinamente éticos, em que as ações são executadas sem nada buscar em troca. Uma demonstração do quanto são inusitadas e discrepantes tais ações que não buscam o lucro, é o fato de serem amplamente divulgadas na mídia como dados inéditos e incomuns.

Tendo em vista o lucro como valor supremo da humanidade ocidental, o texto do caro Matheus coloca de modo implícito o pano de fundo pelo qual são tomadas as decisões ou aquelas que deveriam ser tomadas quanto ao uso da tecnologia. Há neste pano de fundo dois paradigmas distintos e paradoxais.

Retiro aqui a noção de “paradigma” da filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn expresso em seu texto “A Estrutura das Revoluções Científicas”, na qual o “paradigma” se configura como uma visão geral compartilhada pela comunidade de cientistas, que tem os meios necessários para interpretar os fenômenos com os quais as ciências se ocupam.

Contudo, não recorro à noção de paradigma dentro de uma perspectiva epistemológica (de como conhecemos ou interpretamos o mundo real), mas dentro de uma visão prática e, portanto, ética. Isto é, o paradigma determinante da ação e os fins que a estimulam.

Esclarecendo isso, vivemos e experimentamos os efeitos deletérios da supremacia do paradigma da lucratividade em oposição ao paradigma da sustentabilidade.

O primeiro tem como determinante a busca do lucro viabilizado pela implementação de uma razão instrumental e calculista que nada lhe deixa escapar, cujo fim é a manutenção da dominação e do controle por meio da vinculação do “cabo”.

Neste paradigma, o individualismo é a condição necessária para a implementação do controle, pois o indivíduo em isolamento é mais fácil de ser controlado e medido em suas reações, do que a liberdade criativa proveniente de um universo solidário. Assim, o indivíduo em seu isolamento deve ser estimulado e controlado, para que o artifício do sistema se prolongue e se processe.

O que lhe é determinante, ou seja, o que quer alcançar é os dividendos acrescidos como lucro. Portanto, trata-se de um paradigma com fins essencialmente econômicos? Sim, mas não é econômico na acepção mais forte da palavra, ademais, visa a contradizer a noção de economia em sua origem. Ao passo que a noção original de economia implica uma concepção mais responsável que a elevação dos dividendos dos acionistas de uma empresa.

Etimologicamente, “economia” se faz a partir da composição de dois termos grego, oikos, que significa “casa”, com o termo nomia, que remete a “ordem”, ou numa visão mais orgânica, “cuidado”.

Portanto, a despeito de todo paradigma que se justifica pelo viés de uma noção econômica, o paradigma da sustentabilidade se revela em toda sua plenitude, numa sintonia intrínseca com a concepção do “cuidado da casa”, que implica, consequentemente, ganhos sociais e éticos.

Este paradigma se condiciona a partir de uma razão ética que pressupõe o respeito, a liberdade e a solidariedade dos indivíduos em relação ao meio integrante que experimenta, olhando este meio e os outros sujeitos que o integram como um outro efetivo que lhe interpela por respeito, não como um mero objeto a ser consumido que gera dividendo mensuráveis. A relação aqui não é controlada e nem pode ser mensurada como o próprio Matheus afirma, mas é livre, o que implica responsabilidade.

Com efeito, nos surgem as questões: Como implementar a prática deste paradigma da sustentabilidade que se encontra somente no discurso, cujas ações são raras e inusitadas? Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade? Responder a estas e outras questões que nos surgirem, nos sugere inevitavelmente entrar no campo de batalha da ética e da política, campos nos quais as ações se dão efetivamente.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A metáfora da rede elétrica

por Matheus Lima

Recentemente, conversei com alguns amigos a respeito de tecnologias. O papo girou em torno dessas descobertas fantásticas que poderiam revolucionar o mundo como o conhecemos hoje, se não fosse o lobby de grandes empresas e corporações. Durante a conversa, um deles nos mostrou um aparelho, hoje utilizado apenas como decoração de ambientes, que, segundo ele, é análogo a um protótipo da bobina de Tesla, uma máquina que permite transmitir energia elétrica, sem utilização de fios.

Apresentando-nos o aparelho, ele fez uma pequena demonstração, aproximando do mesmo uma lâmpada fluorescente, que acendeu em sua mão.

Reconhecemos ali a tecnologia, desenvolvida há décadas, que poderia ter poupado uma quantidade enorme dos recursos utilizados para a confecção de fios, postes de energia, e toda a parafernália envolvida no sistema de distribuição da rede elétrica.

Sabíamos que a razão dessa tecnologia, tão mais limpa e eficiente, não ter sido adotada, era simples: não seria possível medir e, portanto, cobrar, pela quantidade de energia utilizada individualmente. Um mundo com livre acesso à energia!? Que absurdo, quem iria lucrar com isso!?

Depois dessa experiência, passei a ver os fios como uma representação do individualismo, característica tão necessária para o bom funcionamento do sistema financeiro. Lá estão eles, dominando todos os cantos, todos os lugares, atingindo todas as casas, todas as cidades, emporcalhando o que outrora era de uma beleza rara. Enquanto a coletividade está ali de canto, apenas para decoração de sala.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Primeiro post

por Carlos Assis

O ano terminou, começou um novo, e eu fiquei com a impressão de que muita coisa não foi dita. Mas em 2010 aconteceu, e se falou tanta coisa! – alguém pode dizer. Talvez o imediatismo da notícia e da análise dos fatos tenha impedido uma reflexão a respeito de alguns retrocessos que o mundo viveu, principalmente, no segundo semestre do ano passado. É por isso que, apesar da quantidade de informação produzida, continuo com a impressão de que o diálogo urgente nem sempre tomou conta dos periódicos nem ocupou as pessoas.

A discussão desses temas urgentes, que escolhemos chamar de transversais, junto com a arte, a literatura, o cinema e tudo o que é belo e inspirador, constroem pontes valiosas para a formação de uma sociedade mais ética, inclusiva e justa. Segundo o DIEB (Dicionário Interativo da Educação Brasileira), o MEC define os temas transversais como temas que estão voltados para a compreensão, construção da realidade social e dos direitos e das responsabilidades relacionados com a vida pessoal e coletiva, e com a afirmação do princípio da participação política. Os temas transversais, nesse sentido, correspondem a questões importantes e presentes sob várias formas na vida cotidiana.

Muitos sites, blogs e comunidades on-line já tratam desses temas. O transversais não tem a pretensão de ser um blog inédito, a não ser pela originalidade dos textos e dos materiais aqui publicados. Atingir aqueles que não fazem parte do convívio de cada colunista do blog, transformando os assuntos aqui abordados em pontes que nos levem até outros grupos, é um objetivo que pretendemos alcançar como consequência do que será tratado em cada texto e trabalho aqui publicado, nunca com a meta de forçar repercussão ou aceitação das nossas ideias.

Acreditamos que a transversalidade dos temas não deve estar apenas nas instituições de ensino nem ser promovida exclusivamente por formadores de opinião, mas deve estar presente nas conversas corriqueiras. O dar de ombros para essas questões tem nos cobrado um preço alto demais. Eis o motivo para um blog. Semanalmente, em cada postagem, pretendemos alcançar esse objetivo. Sejam bem-vindos e sintam-se livres para opinar nos comentários de cada post.