terça-feira, 16 de agosto de 2011

excerto de um dia qualquer

Por Ernesto de Castro

Quando a estupidez ao seu redor ousar transpor o pouco de sensatez que te resta, empregue-a rapidamente, antes que se esvaia, erguendo suavemente o dedo médio até mantê-lo em riste. Depois de apresentado o pai-de-todos, lembre-se que existe um lindo dia lá fora.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Movimento Zeitgeist: Resposta à Mídia; Morte de Osama bin Laden

Por Matheus Lima

Em 1º maio de 2011, o presidente Barack Obama apareceu na televisão norte-americana em cadeia nacional, com o anúncio espontâneo de que Osama bin Laden, o suposto organizador dos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, foi morto por forças militares no Paquistão.

Logo em seguida uma grande reação da mídia correu em praticamente todas as redes de televisão no que só poderia ser descrita como uma exibição de uma celebração grotesca, reflexo de um nível de imaturidade emocional que beira a psicose cultural. O retrato de pessoas correndo pelas ruas de Nova York e Washington entoando slogans jingoístas americanos, acenando suas bandeiras como os membros de algum culto, louvando a morte de outro ser humano, revela ainda outra camada desta doença que chamamos de sociedade moderna.

Não é o foco desta resposta abordar o uso político de tal evento ou iluminar a orquestração encenada de como a percepção pública seria controlada pela grande mídia e pelo governo dos Estados Unidos. Este artigo trata de expressar a irracionalidade bruta aparente e como nossa cultura torna-se tão facilmente obcecada e carregada emocionalmente em relação à simbologia superficial, e não com verdadeiros problemas de raiz, soluções ou considerações racionais de circunstância.

O primeiro e mais óbvio ponto é que a morte de Osama bin Laden não significa nada quando se trata do problema do terrorismo internacional. Sua morte, simplesmente serve como catarse para uma cultura que tem uma fixação neurótica em vingança e retaliação. O próprio fato de que o Governo que, do ponto de vista psicológico, sempre serviu como uma figura paterna para seus cidadãos, reforça a idéia de que assassinar pessoas é uma solução para qualquer coisa deveria bastar para que a maioria de nós fizesse uma pausa e refletisse sobre a qualidade dos os valores provenientes do próprio zeitgeist.

No entanto, além das distorções emocionais e do padrão trágico e vingativo de recompensar a continuação da divisão humana e da violência, há uma reflexão mais prática em relação ao real problema e a importância desse problema quanto à sua prioridade.

A morte de qualquer ser humano é de uma conseqüência imensurável na sociedade. Nunca é apenas a morte do indivíduo. É a morte de relacionamentos, companheirismo, apoio e da integridade dos ambientes familiar e comunitário. As mortes desnecessárias de 3.000 pessoas em 11 de setembro de 2001 não são nem mais nem menos importantes do que as mortes daqueles durante as Guerras Mundiais, através de câncer e doenças, acidentes ou qualquer outra coisa.

Como uma sociedade, é seguro dizer que nós buscamos um mundo que estrategicamente limite todas as consequências desnecessárias através de abordagens sociais que permitam a maior segurança que nossa engenhosidade possa criar. É neste contexto que a obsessão neurótica com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 tornou-se grave insulto e prejudicial ao progresso. Criou-se um ambiente em que quantidades ultrajantes de dinheiro, recursos e energia são gastos na busca e destruição de subculturas muito pequenas de seres humanos que apresentam diferenças ideológicas e agem sobre essas diferenças através da violência.

No entanto, apenas nos Estados Unidos a cada ano, cerca de 30.000 pessoas morrem em acidentes automobilísticos, a maioria dos quais poderia ser evitada por mudanças estruturais muito simples. Isso são dez "11 de Setembro" a cada ano... mas ninguém parece lamentar esta epidemia. Da mesma forma, mais de 1 milhão de americanos morrem de doenças cardíacas e câncer por ano - cujas causas atualmente são, em maioria, facilmente ligadas a influências ambientais. No entanto, independentemente dos mais de 330 "11 de Setembro" que ocorrem a cada ano neste contexto, os alocações de orçamentos públicos para pesquisas sobre estas doenças são apenas uma fração do dinheiro gasto em operações "anti-terrorismo".

Tal lista poderia aumentar indefinidamente no que diz respeito à perversão de prioridades quando se trata do verdadeiro significado de se salvar e proteger a vida humana, e espero que muitos por aí possam reconhecer o grave desequilíbrio que temos em mãos, quanto aos nossos valores.

Então, voltando ao ponto de vingança e retaliação, vou concluir esta resposta com uma citação do Dr. Martin Luther King Jr., provavelmente a mais brilhante mente intuitiva quando se tratava de conflitos e do poder da não-violência. Em 15 de setembro de 1963, uma igreja em Birmingham, no Alabama, foi bombardeada, o que causou a morte de quatro meninas que frequentavam as aulas de educação religiosa aos domingos.

Em um discurso público, o Dr. King, declarou:

"O que assassinou as quatro meninas? Olhe ao seu redor. Você vai ver que muitas pessoas que você jamais imaginaria capazes participaram deste ato de maldade. Portanto, esta noite todos nós precisamos sair daqui com uma nova determinação de luta. Deus tem uma tarefa para nós. Talvez a nossa missão seja salvar a alma da América. Não podemos salvar a alma desta nação atirando tijolos. Não podemos salvar a alma desta nação pegando nossas munições e saindo disparando com armas físicas. Temos que saber que temos algo muito mais poderoso. Basta adotar a munição do amor."

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Meta revisitada

Por Helô Beraldo

Dizia Guimarães Rosa: “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia”.

E a página virou sal.

Pequenos grãos caíam em cascata de seus olhos. Ela que gritava como nunca se ouviu. Era a sua história que se desfazia, à medida que as palavras eram jogadas ao vento. Preces, confissões, pessoas, lugares, os sentidos. Os sentidos – tudo se misturava com o ar.

Desapareceu para o desconhecido.

E o novo se fez com o sol, a água, o ar, o chão. O sol trouxe a luz. A água, os sentimentos. O ar, a memória. O chão, o apoio. E ela vivia o novo tranquila. Conduzia os sentidos em direção à essência, ao que é. Pessoas, confissões, lugares têm sentido: são. Tudo o que existe é um.

Expandiu em espiral.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Estamira

Por Luiz Guilherme

Um dia desses estava lendo a ficha técnica do filme “O Lixo Extraordinário”, documentário que concorreu ao Oscar e que retrata o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo, o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Pois bem, o fato é que o nome Jardim Gramacho me chamou a atenção; tinha certeza que já havia ouvido esse nome em algum lugar, e não foi preciso muito tempo para me lembrar aonde. Em poucos segundos a imagem daquela senhora de 63 anos se formou em minha mente: Estamira era o nome dela.

Existem filmes que te fazem questionar os padrões de consciência e as singularidades de cada ser humano, que sempre e sempre nos surpreendem, e, muitas vezes, somos levados a pensar que o interessante, que o sábio, só é possível em meio ao belo, ao exótico, quando muitas vezes é em meio ao caos, ao repudiável e chocante aos olhos da sociedade que se encontram as mais engrandecedoras e impressionantes histórias. É assim com o documentário “Estamira”, do diretor Marcos Prado, que mostra os delírios e a sabedoria de uma senhora de 63 anos que tira o seu sustento do aterro sanitário do Jardim Gramacho – o mesmo retratado no também documentário “O Lixo Extraordinário” – um lugar que recebe mais de 8 mil toneladas de lixo produzidos no Rio de Janeiro.

Uma paisagem desoladora – que mais parece saída de um filme de ficção, daqueles que mostram um mundo futurista destruído por um evento nuclear, com pessoas afetadas pela radiação vivendo apenas pelo instinto de sobrevivência – com poços de gás tóxico que borbulham do chão, corpos de pessoas assassinadas e ali desovados, a montanha de lixo varrida pelo vento em meio à tempestade e, ao fundo, de forma tímida, contrastando com tudo isso, a bela paisagem natural do Rio de Janeiro, ambas colocadas em um mesmo plano (uma sutil ironia, quase como se pudéssemos ver uma fina linha dividindo esses dois mundos tão próximos). Em meio a tudo isso encontra-se Estamira, com sua loucura, sua intensidade, sua sabedoria insana e gutural; Estamira é uma mistura de tudo e de todos, uma enorme miscelânea que vai do médico ao louco, do pastor ao filósofo, da mãe à filha, de deus ao demônio.

O diretor Marcos prado acompanhou o dia a dia de Estamira por mais de 3 anos, presenciando não só o seu trabalho no lixão como também a sua conturbada relação com os filhos e netos, que varia de momentos afetivos à explosões de uma fúria avassaladora.O ponto onde Estamira se mostra mais lúcida é em seu discurso contra o descaso do sistema de saúde pública no tratamento do “quadro de psicose” diagnosticado pelos médicos. “Eles estão dopando quem quer que seja com um só remédio”, “esses remédios são dopantes para cegar os homens”. É com frases como essas que ela se refere às atitudes dos médicos e aos medicamentos receitados sem uma mínima avaliação do paciente, com a intenção apenas de anestesiar os sentidos e não de tratar a causa da doença. “Eles são copiadores... eles só copiam”.

Ao longo do filme a história de Estamira vai revelando os traumas de infância, os conflitos familiares e os muitos motivos para a sua ira e a sua fuga psicótica. Apesar de seu claro distúrbio mental, há em Estamira algo de lucidez, mais que lucidez, algo de sábio. Muitas de suas palavras são dignas de reflexão. Ao falar do lixão, ela mostra uma clareza que muitos não possuem: “Isso aqui é o depósito dos restos. Às vezes vem também descuido (...) conservar as coisas é maravilhoso; lavar, limpar e usar mais. O quanto pode. As pessoas têm que prestar atenção no que elas usam e no que elas têm, porque ficar sem é muito ruim”. Não há como negar a sabedoria de tais palavras.

Estamira é um documentário lírico e intenso, com a crueza de uma loucura repleta de razões.


terça-feira, 15 de março de 2011

Abaixo à Abstração do Mundo

Por Ricardo Urizzi Carvalho

Embora muitos filósofos que se colocaram na condição de pensar a modernidade, como Horkheimer e Adorno na sua tão referida obra a Dialética do Esclarecimento, apontem para uma realidade não mais desfigurada pela noção de ideologia, que se caracterizou desde Marx, como o meio de dominação de classe que se funda na difusão de ideias que interiorizadas pelas classes dominadas dissolvem as contradições concretas a fim de manter o status quo social e a coesão da sociedade em geral.

Vemos que o levante da direita atual recorre ao mesmo artifício para justificar sua condição. Ou seja, a questão final é fazer a abstração do mundo real com idealizações e conceitos que justificam as condições ditas “naturais” de “povo”, “nação”, ou mesmo de “natureza humana”, que se opõem diretamente à ordem jurídica de um Estado de Direito na qual a noção moderna de cidadania implica não em condições abstratas, mas tão somente em elementos concretos e objetivos de direitos e deveres.

Portanto, é preciso sim, fazer a crítica a todas estas incursões ideológica que tem por fim justificar o mundo sob um viés naturalizado, que sorrateiramente usam de meios psicológicos, que tentam capturar e encapsular as subjetividades dentro de si mesmas, inibindo uma visão reivindicatória.