terça-feira, 15 de março de 2011

Abaixo à Abstração do Mundo

Por Ricardo Urizzi Carvalho

Embora muitos filósofos que se colocaram na condição de pensar a modernidade, como Horkheimer e Adorno na sua tão referida obra a Dialética do Esclarecimento, apontem para uma realidade não mais desfigurada pela noção de ideologia, que se caracterizou desde Marx, como o meio de dominação de classe que se funda na difusão de ideias que interiorizadas pelas classes dominadas dissolvem as contradições concretas a fim de manter o status quo social e a coesão da sociedade em geral.

Vemos que o levante da direita atual recorre ao mesmo artifício para justificar sua condição. Ou seja, a questão final é fazer a abstração do mundo real com idealizações e conceitos que justificam as condições ditas “naturais” de “povo”, “nação”, ou mesmo de “natureza humana”, que se opõem diretamente à ordem jurídica de um Estado de Direito na qual a noção moderna de cidadania implica não em condições abstratas, mas tão somente em elementos concretos e objetivos de direitos e deveres.

Portanto, é preciso sim, fazer a crítica a todas estas incursões ideológica que tem por fim justificar o mundo sob um viés naturalizado, que sorrateiramente usam de meios psicológicos, que tentam capturar e encapsular as subjetividades dentro de si mesmas, inibindo uma visão reivindicatória.

sábado, 5 de março de 2011

Foi pela paz?

Por Matheus Lima

De repente, o Rio estava em paz. Na tv, os “bandidos” em fuga, e o povo em festa. Mas tudo isso não deixava de soar estranho para mim. Desde que me entendo por gente, tenho a lembrança de uma guerra aparentemente perpétua, entre a polícia e os chamados traficantes. Todo dia, no jornal da tv, via os tiroteios, as balas perdidas, as mortes... Quando criança, não entendia porque não usavam tanques de guerra, e outros megazords, para salvar a cidade dos monstros, que nem acontecia no Power Rangers, quando a luta parecia muito difícil e o inimigo muito poderoso.

Já sabia do potencial de combate de tanques e blindados. Sempre via no jornal as tragédias, gente inocente morrendo. Por que não acabavam de uma vez com tudo aquilo? Por fim a tanto sofrimento não era uma razão boa o suficiente para usar toda a força que eu sabia que tinham?

O tempo passou e, após muitas famílias destroçadas, chegou a vez do Brasil para sediar a Copa e as Olimpíadas (no Rio), o que é perfeito para o turismo, diga-se de passagem. No entanto, a FIFA passou a demonstrar preocupação com os casos de violência no Rio, o que poderia ser um empecilho para a realização dos jogos. Foi então que, cerca de dois anos antes do primeiro evento da Copa do Mundo no país, a Copa das Confederações, a paz chegou. De repente, os conflitos que duravam anos foram resolvidos em questão de semanas, os morros que eram marca dos traficantes foram tomados pela polícia e exército. Será que interesse financeiro é uma razão mais forte que a dor e sofrimento de tanta gente?

Hoje, menos ingênuo, deixei de gostar de Power Rangers, e também de acreditar que são monstros o que a polícia está combatendo nas favelas. Mas parece que a infância não passou para todos, me assusta ver como muitas autoridades e pessoas “importantes” vêm no Rio uma guerra do bem contra o mal.

Chamam de “bandidos”, “traficantes”, aqueles para os quais o crime e o tráfico se mostram como única alternativa para sobrevivência e sustento. Esquecem que por trás do “bandido”, do “marginal”, e do “traficante”, há um ser humano esmagado pela desigualdade, e preconceito. Qual será a sensação de ver alguém usando um tênis que custa mais do que você pode receber em um mês, para sustentar (mal) a sua família?

Nesse ponto pode surgir o pensamento: “ah, isso é sensacionalismo barato, os caras da favela ficam podres de rico com o tráfico, vi na TV o luxo em que eles vivem lá”. Vale lembrar que esses casos são exceções, são poucos os que conseguem ter acesso a tantos recursos, por meio do tráfico. Na maior parte dos casos, a verdadeira luta dos traficantes parece ser pela sobrevivência, como mostra essa jornalista, em um documentário que apresenta o ponto de vista dos “bandidos” em relação à guerra e à vida no Rio (ver entrevista a partir de 2:10):



Transcrevi algumas partes do depoimento do traficante:

"É falta de opção, né? Infelizmente a gente veio parar no tráfico, não tem estudo não tem nada, pô. Família não tem boas condições, aí a única oportunidade que a gente tem é isso aqui mesmo, o modo de sobreviver. Tem filho, 3 filhos, tem esposa, tem mãe, mas como é que a gente vai trabalha? Não tem estudo, o governo aqui só pensa neles, a única opção mesmo é o tráfico. A gente tá aí também pra ajudar a comunidade, ajudar a nossa família, a meio do que, a gente arrumar o nosso dinheiro e ir embora com a nossa família.

...estão aproveitando as Olimpíadas pra botar mais polícia, pô. Aí, o que tão fazendo: tomando as comunidades. Botando eles mesmo pra tomar conta da comunidade. E tá tipo expulsando a gente, a gente é criado na comunidade, aí vamos supor, expulsam a gente aqui da comunidade, aí daqui a gente vai pra onde? Aí é onde começa a violência no Rio, a gente não tem outra opção."

Agora caso esse depoimento com essa matéria , em que aparece o subsecretário de planejamento e integração operacional do Rio de Janeiro, Roberto Sá:

"Segundo Sá, nove suspeitos presos recentemente serão transferidos para presídios de outros Estados. Ele afirmou que a transferência foi acertada entre o sistema penitenciário federal e a justiça estadual. O subsecretário não especificou para quais unidades da federação os presos serão levados. "Nossa prioridade nesse momento é fazer com que saiam do Rio de Janeiro", afirmou".

Fazendo uma análise histórica, nos recordamos que, da mesma forma que hoje toda essa gente foge das favelas, no passado a camada popular foi expulsa do centro da cidade para os morros (por conta das reformas urbanas), iniciando o processo de favelização no Rio de Janeiro.

Se a história é mesmo cíclica, então daqui a algum tempo teremos novos Morros do Alemão surgindo, mais violência e mais guerra. Será que interesse financeiro é uma razão mais forte que a dor e sofrimento de tanta gente? Parece que sim...