por Ricardo Carvalho
O texto postado pelo caro Matheus, que se intitula “A Metáfora da Rede Elétrica”, despertou em mim, quase que de modo imediato, duas possíveis concepções de fundo que se apresentam como determinantes das deliberações, ou seja, das decisões que de modo unilateral têm sido tomadas no que diz respeito ao uso dos meios tecnológicos.
É bom lembrar que a tecnologia produzida pela ciência em geral não tem um fim em si mesma, mas se configura como um meio para a manipulação e dominação das condições naturais em que vivemos. Sendo assim, a tecnologia enquanto posta como meio, não é boa nem ruim. Tão logo, a questão do uso da tecnologia não está condicionada por ela própria, mas ela, enquanto simples meio, está condicionada pelos fins, ou seja, pelos objetivos que damos a ela, e que somente por meio dela nos é possível alcançar, uma vez que o homem não age de outro modo em relação à natureza, senão por meio da técnica.
Com efeito, quais são os fins que queremos alcançar com os meios tecnológicos disponíveis? A determinação destes fins implica decisões geralmente tomadas de modo unilateral, que infelizmente não são deliberações tomadas dentro do campo democrático em que a sociedade civil se demonstra ativa, sobre as quais nem mesmo os cientistas em geral têm arbítrio. Mas como o próprio Matheus já cita, são as grandes corporações que financiam geralmente as pesquisas, ou quando não, o que tem se tornado assaz comum, acabam por coptar pesquisas financiadas com recursos públicos para os seus fins privados.
Isto é sintoma comum do que chamamos de neoliberalismo ou a doutrina do livre mercado idealizada por Milton Friedman, que potencializou o afã selvagem pelo lucro a partir da coptação dos ativos estatais em todo mundo pelas ambições privadas das grandes corporações, o que teve como resultado o desmonte do Estado de Bem estar Social pensado Keynes após a queda da bolsa em 29.
Portanto, as decisões são determinadas pelos fins, isto é, o que se quer alcançar ao decidir? Quais são os fins que se procura alcançar com as decisões que determinam as aplicações tecnológicas existentes? Será a sustentabilidade do planeta ou a disseminação do bem comum? Bem sabemos que não, e o texto do Matheus é claro acerca disso. O único fim, o fim último de todas as decisões e ações, seja no mundo corporativo, político ou ético, se tornou o lucro.
Haja vista, o fato de vivenciarmos em nossos dias a raridade de atos genuinamente éticos, em que as ações são executadas sem nada buscar em troca. Uma demonstração do quanto são inusitadas e discrepantes tais ações que não buscam o lucro, é o fato de serem amplamente divulgadas na mídia como dados inéditos e incomuns.
Tendo em vista o lucro como valor supremo da humanidade ocidental, o texto do caro Matheus coloca de modo implícito o pano de fundo pelo qual são tomadas as decisões ou aquelas que deveriam ser tomadas quanto ao uso da tecnologia. Há neste pano de fundo dois paradigmas distintos e paradoxais.
Retiro aqui a noção de “paradigma” da filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn expresso em seu texto “A Estrutura das Revoluções Científicas”, na qual o “paradigma” se configura como uma visão geral compartilhada pela comunidade de cientistas, que tem os meios necessários para interpretar os fenômenos com os quais as ciências se ocupam.
Contudo, não recorro à noção de paradigma dentro de uma perspectiva epistemológica (de como conhecemos ou interpretamos o mundo real), mas dentro de uma visão prática e, portanto, ética. Isto é, o paradigma determinante da ação e os fins que a estimulam.
Esclarecendo isso, vivemos e experimentamos os efeitos deletérios da supremacia do paradigma da lucratividade em oposição ao paradigma da sustentabilidade.
O primeiro tem como determinante a busca do lucro viabilizado pela implementação de uma razão instrumental e calculista que nada lhe deixa escapar, cujo fim é a manutenção da dominação e do controle por meio da vinculação do “cabo”.
Neste paradigma, o individualismo é a condição necessária para a implementação do controle, pois o indivíduo em isolamento é mais fácil de ser controlado e medido em suas reações, do que a liberdade criativa proveniente de um universo solidário. Assim, o indivíduo em seu isolamento deve ser estimulado e controlado, para que o artifício do sistema se prolongue e se processe.
O que lhe é determinante, ou seja, o que quer alcançar é os dividendos acrescidos como lucro. Portanto, trata-se de um paradigma com fins essencialmente econômicos? Sim, mas não é econômico na acepção mais forte da palavra, ademais, visa a contradizer a noção de economia em sua origem. Ao passo que a noção original de economia implica uma concepção mais responsável que a elevação dos dividendos dos acionistas de uma empresa.
Etimologicamente, “economia” se faz a partir da composição de dois termos grego, oikos, que significa “casa”, com o termo nomia, que remete a “ordem”, ou numa visão mais orgânica, “cuidado”.
Portanto, a despeito de todo paradigma que se justifica pelo viés de uma noção econômica, o paradigma da sustentabilidade se revela em toda sua plenitude, numa sintonia intrínseca com a concepção do “cuidado da casa”, que implica, consequentemente, ganhos sociais e éticos.
Este paradigma se condiciona a partir de uma razão ética que pressupõe o respeito, a liberdade e a solidariedade dos indivíduos em relação ao meio integrante que experimenta, olhando este meio e os outros sujeitos que o integram como um outro efetivo que lhe interpela por respeito, não como um mero objeto a ser consumido que gera dividendo mensuráveis. A relação aqui não é controlada e nem pode ser mensurada como o próprio Matheus afirma, mas é livre, o que implica responsabilidade.
Com efeito, nos surgem as questões: Como implementar a prática deste paradigma da sustentabilidade que se encontra somente no discurso, cujas ações são raras e inusitadas? Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade? Responder a estas e outras questões que nos surgirem, nos sugere inevitavelmente entrar no campo de batalha da ética e da política, campos nos quais as ações se dão efetivamente.
O texto postado pelo caro Matheus, que se intitula “A Metáfora da Rede Elétrica”, despertou em mim, quase que de modo imediato, duas possíveis concepções de fundo que se apresentam como determinantes das deliberações, ou seja, das decisões que de modo unilateral têm sido tomadas no que diz respeito ao uso dos meios tecnológicos.
É bom lembrar que a tecnologia produzida pela ciência em geral não tem um fim em si mesma, mas se configura como um meio para a manipulação e dominação das condições naturais em que vivemos. Sendo assim, a tecnologia enquanto posta como meio, não é boa nem ruim. Tão logo, a questão do uso da tecnologia não está condicionada por ela própria, mas ela, enquanto simples meio, está condicionada pelos fins, ou seja, pelos objetivos que damos a ela, e que somente por meio dela nos é possível alcançar, uma vez que o homem não age de outro modo em relação à natureza, senão por meio da técnica.
Com efeito, quais são os fins que queremos alcançar com os meios tecnológicos disponíveis? A determinação destes fins implica decisões geralmente tomadas de modo unilateral, que infelizmente não são deliberações tomadas dentro do campo democrático em que a sociedade civil se demonstra ativa, sobre as quais nem mesmo os cientistas em geral têm arbítrio. Mas como o próprio Matheus já cita, são as grandes corporações que financiam geralmente as pesquisas, ou quando não, o que tem se tornado assaz comum, acabam por coptar pesquisas financiadas com recursos públicos para os seus fins privados.
Isto é sintoma comum do que chamamos de neoliberalismo ou a doutrina do livre mercado idealizada por Milton Friedman, que potencializou o afã selvagem pelo lucro a partir da coptação dos ativos estatais em todo mundo pelas ambições privadas das grandes corporações, o que teve como resultado o desmonte do Estado de Bem estar Social pensado Keynes após a queda da bolsa em 29.
Portanto, as decisões são determinadas pelos fins, isto é, o que se quer alcançar ao decidir? Quais são os fins que se procura alcançar com as decisões que determinam as aplicações tecnológicas existentes? Será a sustentabilidade do planeta ou a disseminação do bem comum? Bem sabemos que não, e o texto do Matheus é claro acerca disso. O único fim, o fim último de todas as decisões e ações, seja no mundo corporativo, político ou ético, se tornou o lucro.
Haja vista, o fato de vivenciarmos em nossos dias a raridade de atos genuinamente éticos, em que as ações são executadas sem nada buscar em troca. Uma demonstração do quanto são inusitadas e discrepantes tais ações que não buscam o lucro, é o fato de serem amplamente divulgadas na mídia como dados inéditos e incomuns.
Tendo em vista o lucro como valor supremo da humanidade ocidental, o texto do caro Matheus coloca de modo implícito o pano de fundo pelo qual são tomadas as decisões ou aquelas que deveriam ser tomadas quanto ao uso da tecnologia. Há neste pano de fundo dois paradigmas distintos e paradoxais.
Retiro aqui a noção de “paradigma” da filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn expresso em seu texto “A Estrutura das Revoluções Científicas”, na qual o “paradigma” se configura como uma visão geral compartilhada pela comunidade de cientistas, que tem os meios necessários para interpretar os fenômenos com os quais as ciências se ocupam.
Contudo, não recorro à noção de paradigma dentro de uma perspectiva epistemológica (de como conhecemos ou interpretamos o mundo real), mas dentro de uma visão prática e, portanto, ética. Isto é, o paradigma determinante da ação e os fins que a estimulam.
Esclarecendo isso, vivemos e experimentamos os efeitos deletérios da supremacia do paradigma da lucratividade em oposição ao paradigma da sustentabilidade.
O primeiro tem como determinante a busca do lucro viabilizado pela implementação de uma razão instrumental e calculista que nada lhe deixa escapar, cujo fim é a manutenção da dominação e do controle por meio da vinculação do “cabo”.
Neste paradigma, o individualismo é a condição necessária para a implementação do controle, pois o indivíduo em isolamento é mais fácil de ser controlado e medido em suas reações, do que a liberdade criativa proveniente de um universo solidário. Assim, o indivíduo em seu isolamento deve ser estimulado e controlado, para que o artifício do sistema se prolongue e se processe.
O que lhe é determinante, ou seja, o que quer alcançar é os dividendos acrescidos como lucro. Portanto, trata-se de um paradigma com fins essencialmente econômicos? Sim, mas não é econômico na acepção mais forte da palavra, ademais, visa a contradizer a noção de economia em sua origem. Ao passo que a noção original de economia implica uma concepção mais responsável que a elevação dos dividendos dos acionistas de uma empresa.
Etimologicamente, “economia” se faz a partir da composição de dois termos grego, oikos, que significa “casa”, com o termo nomia, que remete a “ordem”, ou numa visão mais orgânica, “cuidado”.
Portanto, a despeito de todo paradigma que se justifica pelo viés de uma noção econômica, o paradigma da sustentabilidade se revela em toda sua plenitude, numa sintonia intrínseca com a concepção do “cuidado da casa”, que implica, consequentemente, ganhos sociais e éticos.
Este paradigma se condiciona a partir de uma razão ética que pressupõe o respeito, a liberdade e a solidariedade dos indivíduos em relação ao meio integrante que experimenta, olhando este meio e os outros sujeitos que o integram como um outro efetivo que lhe interpela por respeito, não como um mero objeto a ser consumido que gera dividendo mensuráveis. A relação aqui não é controlada e nem pode ser mensurada como o próprio Matheus afirma, mas é livre, o que implica responsabilidade.
Com efeito, nos surgem as questões: Como implementar a prática deste paradigma da sustentabilidade que se encontra somente no discurso, cujas ações são raras e inusitadas? Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade? Responder a estas e outras questões que nos surgirem, nos sugere inevitavelmente entrar no campo de batalha da ética e da política, campos nos quais as ações se dão efetivamente.
5 comentários:
Muito bom, foi formalizada a reflexão que esperava obter com meu texto!
A questão "Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade?" tem me perseguido há um bom tempo.
Foi levantado o meio político como cenário para uma possível intervenção nesse sentido, mas questiono a sua viabilidade, uma vez que a política está diretamente relacionada com o interesse das grandes empresas e corporações.
Basta analisar e comparar o orçamento da campanha política, nessas últimas eleições e em muitas outras, de partidos que atuam em sintonia com o atual modelo econômico (ou, de forma mais apropriada, o sistema de obtenção de lucro), em relação àqueles que propõem uma mudança mais estrutural no sistema financeiro.
Ademais, analisando a história, observamos que quando os últimos conseguem, de alguma forma, vencer as barreiras do poder vigente e conquistar a adesão da massa popular, intervenções militares e ditatorias são freqüentes.
Me parece que, dentro desse cenário político-econômico, fomos colocados em um beco sem saída.
Caro Matheus. Quando afirmo o campo político, não é de fato a "pequena política" feita pelo partidarismo no submundo dos gabinetes, nem propriamente dentro de um arcabouço institucional, mas a política que se faz à margem das instituições, a fim de pressioná-las. Esta é a "grande política", a que faz o Greenpeace e outras entidades, ou mesmos sujeitos que ativam a sociedade civil a refletir e a agir.
Quando estamos aqui debatendo nossos textos, pensando meios e ações para implementar as ideias concebidas, logo, estamos fazendo política.
Bem sei que o termo está carregado de negatividade, que só corrobora ainda mais a condição daqueles que só fazem a "pequena política", mas é preciso romper com isso.
Estes conceitos de "pequena e grande política" foi forjado pelo filósofo italiano Antoni Gramsci.
De um modo bem sintético ele define pequena política como aquela em que a economia determina a sociedade, que de fato é aquela que vivemos, dado a morbidade social que abate os sujeitos em geral, da qual o individualismo conforme apontado por você em seu texto é a causa.
Por sua vez, a grande política é quando a sociedade civil se mobiliza para que todos os fatores que lhe são caro seguem os ditames dessa sociedade, inclusive os econômicos. É que procuramos fazer. Fora disso, só a revolução.
Pensando na "grande política", o boicote defendido por grupos que se intitulam anarquistas, é uma alternativa que a sociedade civil pode usar para chamar a atenção às suas reivindicações, minando a política de uma empresa ou do mercado. Por outro lado, não rompe com o modelo, só sinaliza o seu descontentamento e promove uma mudança muito particular, e não coletiva. Quais outros meios – sem contar com revolução (meio que, sinceramente, não acredito, e não vejo capaz de ser colocado em prática no mundo de hoje) – temos?
Isso é algo para se pensar, levando-se em conta a democracia – algo difícil quando se fala em ruptura.
Caro Carlos, estes boicotes são de fato um meio que podem ser usado e potencializados pela internet.
Mas o que pode ser estimulado de fato são mobilizações publica como passeatas ou atos públicos que desperte e incomode a sociedade civil a sair de sua morbidade, pois a verdadeira política, a grande política, se faz nas ruas. Se identificarmos causas específicas para reivindicar e articular pequenos movimentos, isso pode assumir proporções maiores e ganhar mídia ou não, mas é uma via.
Algo hediondo que ocorre hoje no contexto político nacional é o aumento dos dividendos dos parlamentares, que mesmo em meio a indignação geral nos bastidores, nota-se uma morbidade e um sentimento de impotência da sociedade brasileira em geral em reagir ante a isso.
A indignação engolida a seco pode ser ativada a partir de pequenos movimentos públicos.
Eis aí uma via em que a liberdade democrática torna o fazer política possível, além de nos permitir sair da mera virtualidade e implicar em ações reais.
Que tal propor e organizar pequenas passeatas ou atos públicos se indignando não somente virtualmente como tem muita gente fazendo, mas publicamente e realmente nas ruas, na aposta de que esta indignação contida se manifeste na população?
Quanto a revolução, só foi mais uma ironia, pois de fato não há condições nem propriamente necessidade de uma ruptura radical, precisamos de efetuar mudanças em processo por meio das pressão públicas, que devem ser implementadas e estimuladas.
Desculpem colegas por tormar a liberdade de usar este espaço para divulgação de trabalho pessoal. Mas não pude me conter, pois o texto que segue me surgiu logo após ao comentário que fiz ao Caro Carlos acima, que creio ter algum valor além do discursivo e que reflete de algum modo a espiritualidade do debate que temos travado acerca da noção da ação política.
Homo Politicon
Não basta se indignar.
É preciso por para fora o que causa indignação.
Não basta pensar.
É preciso materializar as possibilidades ditadas pelo pensamento.
O Grito incontido desatado da alma,
Do corpo todo,
É a semente lançada a esmo ao mundo
Sem garantias de germinação.
Ainda assim o faz, realiza e age
Como corpo na rua em gestos e atos.
Desperta, ativa, influí a amalgama de afetos e sentidos.
Até então, contidos, reprimidos, censurados.
Irrompe os limites internos do indivíduo.
Os medos individuais, o isolamento controlado.
Transcende ao público o que estava privado.
Dando em ato o que estava tão somente incubado.
A fecundidade do ato desatado,
Segue as ondas da semeadura.
Eis que o semeador saiu para semear.
A semear a sua humanidade,
A fim de dar lugar ao que virá após.
E o faz respirando livremente.
Sem os ares densos dos redutos em que fora posto e reclusado.
O faz em plena liberdade,
Não mais pensada ou abstraída,
Mas realizada ali,
Na rua, em ato, em vida.
Postar um comentário