sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Autorretrato

Por Helô Beraldo

Trabalhando em um catálogo de literatura infantojuvenil, me deparei com um livro com que gostei muito de trabalhar. Na capa, ele tem um hot stamping que simula um espelho, o que foi a madeleine do meu dia.

Certa manhã, um original caiu em minhas mãos. Primeira versão de um livro que retratava apenas o pessimismo de uma pessoa que deveria ter sofrido algum trauma e o vomitado em palavras. Precisava dar minha opinião, mas resolvi ficar quieta para não fazer a cova de Schopenhauer tremer sob meus pés. Passados alguns meses, o editor resolveu perguntar o que eu tinha achado do livro: suei frio, falei e ouvi seu eco – o livro não tinha mesmo agradado. Foi pedida uma nova versão para a autora, com todo o cuidado e respeito que se deve ter em uma situação como essa [as ilustrações não tiveram uma segunda versão, pois eram ótimas].

Passadas algumas semanas, a nova versão já estava em minhas mãos. Fui surpreendida, pois a autora havia escrito outro livro, com toda a humildade de quem consegue ouvir a crítica sem se abalar. Gostei tanto desse livro, que minha empolgação acabou em um pedido do editor: “Helô, quero que você escreva uma introdução, tá?”.

***

“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta

[…]

Mas um dia afinal eu toparei comigo...”

Mário de Andrade, “Eu sou trezentos”, em Poesias completas.


A poesia trabalha palavras e formas. A prosa nos conta, com palavras e de forma livre, algum fato. A prosa poética põe lirismo nas palavras de quem descreve o cotidiano. As artes plásticas, ligadas às palavras, dão forma ao que sentimos.

As imagens, as cores e as palavras mostram os espelhos em que nos refletimos diariamente: o olhar-se na família, na casa, na cidade, no mundo; as escolhas e as respostas que definirão o que ser ou não ser; percepções de gostos, desgostos, do tempo passando; a descoberta dos segredos, do sentir amor, da identificação com o outro, do eu.

Autorretrato, de Renata Bueno, prosa poética em diário, registra momentos, sentimentos e questionamentos do eu, do você, do ele, de nós todos. Há, ao virar das páginas, tentativas de se responder à pergunta que consideramos a mais difícil, já que há sempre mais de uma resposta para ela: afinal, quem sou eu?


Autorretrato, de Renata Bueno, foi publicado pelo selo Larousse jovem, em 2009.

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