quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Minha geração

Por Ernesto de Castro

Minha geração, entregue à inércia do seu tempo, espera, com a paciência que lhe é característica – um misto de inquietação e rebeldia, fruto de caprichos e mimos –, a passagem do tempo; deposita no ato diário de virar as folhas dos calendários a justiça que aprendeu a não fazer questão, não reivindicar, não trazer ao mundo. É o tempo – só ele – que pode, com a sua calma avassaladora, varrer do presente tudo o que virou passado, mas que insiste em reivindicar espaço no agora – e que o tudo, vá acompanhado do todos que compartilha o ranço das ideias de que o mundo está farto.

Pobre cavaleiro errante, esse tal tempo. Vaga por essa época com a tarefa que não lhe cabe, enquanto nós depositamos nele nossas esperanças, porque a única certeza que temos é a de que não vamos fazer nada.

...

Que eu esteja errado.

8 comentários:

Ricardo Carvalho disse...

Depositamos, nele, neles, nos outros, em alguém ou num estado ainda mais conformista, em ninguém, mas não nos movemos a fim de nos desatarmos dessa paralisia atavica que envolve a maioria. É possível reconhecer nisso um certo cinismo. Devo reconhecer, que muitas vezes o discurso dissimula a minha falta de ação.
Caro Ernesto, assaz provocativo!

Ernesto de Castro disse...

O próprio cinismo já não serve para definir nosso tempo. Na era do consumismo, o cinismo de Antístenes não existe. Não há virtude moral na inércia da nossa vida canina.

Ricardo Carvalho disse...

De fato, Caro Ernesto, que o cinismo a que me refiro não é o manifesto na Grécia Antiga, inciado por Antístenes e propagado por Diorgenes, o cão, cujo aparato crítico é notável, a ponto de confrontar toda artificialidade da sociedade grega da época e o seu mais notável sábio,Sócrates. Este cinismo estava a busca de um retorno ao homem em sua pressuposta realidade antropológica que foi desvirtuada pela cultura. Cinismo que é passível de críticas, mas que pelo menos tinha um projeto. Este cinismo só tem semelhança com o cinismo moderno pela irreverência zombateira.
O cinismo moderno é aquele que zomba, não da cultura e suas atificialidades, mas da própria consciência, bem representada pela expressão, "eu sei mais não estou nem aí." A Consciência sabe, o discurso é correto, mas ambos são inférteis, ao passo que são ignorados pela vontade onde as ações se efetivam, de modo que esta se entrega conscientemente ao hedonismo consumista ao qual se refere.
Se o cinismo antigo zomba da cultura e de suas artificialidades, o que tem seu ponto positivo colocando a contradição no plano social objetivo, o cinismo moderno assume a contradição dentro da própria subjetividade de modo passivo. Ela em si zomba de si mesma, quando a vontade se entrega ao puro prazer ignorando a consciência que tem.

Valeu! Caro Ernesto. Que possamos polemizar ainda mais este debate.

Carlos Assis disse...

A inércia deposita na passagem do tempo as suas esperanças, mas, enquanto essa consciência não se transformar em vontade (como disse o Ricardo) não há transformação que se concretize. O mundo das ideias é sedutor, mas pouco eficaz quando transferimos a vontade (a ação) ao tempo.

Que você esteja realmente errado, Ernesto (mas a provocação me levou a pensar... muito).

Júlia disse...

Bem, ao menos o comodismo total não é feito se conseguirmos colocar novos pensamentos em órbita, falar e pensar é ao menos um modo de conscientizar, tenho certeza de que se nas escolas ouvíssemos mais esses discursos as novas gerações quem sabe não "tirariam os óculos", não?
Claro, é usar também do discurso de que o tempo vai apagar, "isso fica para a futura geração", quando na verdade se ainda estamos vivos, é porque fazemos parte desse mundo e temos potencial para agir, dando o nosso melhor para mudar o que discordamos em tese... Pois bem, mas acho que mesmo com as ideia, já é um 1° passo, uma crítica, uma indignação, algo lhe incomodou... Então, também fica sendo válido!
Gostei do texto! Ler as entrelinhas, como disse o sor. Carlos para mim... hahaha

Matheus Lima disse...

"A gente espera do mundo e o mundo espera de nós...um pouco mais de paciência.
Será que é tempo que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo pra perder?
E quem quer saber? A vida é tão rara
Tão rara..."

Lenine

Daniele Pessoas disse...

Ernesto,

Suas palavras traduziram meus medos e vergonhas, até então disfarçados em discursos politicamente corretos. Vou mantê-las em mente para que (enquanto não pudemros afirmar que você está errado) me encoragem a agir!

Ernesto de Castro disse...

Engraçado como o discurso conforta, não? Quem o propaga se sente bem, quem o escuta se deixa seduzir. É uma paixão que cresce e encontra fim nisso. Para fazer aquilo que deve ser feito precisamos de tanta retórica?