mural atualizado.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
terça-feira, 16 de agosto de 2011
excerto de um dia qualquer
Por Ernesto de Castro
Quando a estupidez ao seu redor ousar transpor o pouco de sensatez que te resta, empregue-a rapidamente, antes que se esvaia, erguendo suavemente o dedo médio até mantê-lo em riste. Depois de apresentado o pai-de-todos, lembre-se que existe um lindo dia lá fora.
Quando a estupidez ao seu redor ousar transpor o pouco de sensatez que te resta, empregue-a rapidamente, antes que se esvaia, erguendo suavemente o dedo médio até mantê-lo em riste. Depois de apresentado o pai-de-todos, lembre-se que existe um lindo dia lá fora.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Movimento Zeitgeist: Resposta à Mídia; Morte de Osama bin Laden
Por Matheus Lima
Em 1º maio de 2011, o presidente Barack Obama apareceu na televisão norte-americana em cadeia nacional, com o anúncio espontâneo de que Osama bin Laden, o suposto organizador dos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, foi morto por forças militares no Paquistão.
Logo em seguida uma grande reação da mídia correu em praticamente todas as redes de televisão no que só poderia ser descrita como uma exibição de uma celebração grotesca, reflexo de um nível de imaturidade emocional que beira a psicose cultural. O retrato de pessoas correndo pelas ruas de Nova York e Washington entoando slogans jingoístas americanos, acenando suas bandeiras como os membros de algum culto, louvando a morte de outro ser humano, revela ainda outra camada desta doença que chamamos de sociedade moderna.
Não é o foco desta resposta abordar o uso político de tal evento ou iluminar a orquestração encenada de como a percepção pública seria controlada pela grande mídia e pelo governo dos Estados Unidos. Este artigo trata de expressar a irracionalidade bruta aparente e como nossa cultura torna-se tão facilmente obcecada e carregada emocionalmente em relação à simbologia superficial, e não com verdadeiros problemas de raiz, soluções ou considerações racionais de circunstância.
O primeiro e mais óbvio ponto é que a morte de Osama bin Laden não significa nada quando se trata do problema do terrorismo internacional. Sua morte, simplesmente serve como catarse para uma cultura que tem uma fixação neurótica em vingança e retaliação. O próprio fato de que o Governo que, do ponto de vista psicológico, sempre serviu como uma figura paterna para seus cidadãos, reforça a idéia de que assassinar pessoas é uma solução para qualquer coisa deveria bastar para que a maioria de nós fizesse uma pausa e refletisse sobre a qualidade dos os valores provenientes do próprio zeitgeist.
No entanto, além das distorções emocionais e do padrão trágico e vingativo de recompensar a continuação da divisão humana e da violência, há uma reflexão mais prática em relação ao real problema e a importância desse problema quanto à sua prioridade.
A morte de qualquer ser humano é de uma conseqüência imensurável na sociedade. Nunca é apenas a morte do indivíduo. É a morte de relacionamentos, companheirismo, apoio e da integridade dos ambientes familiar e comunitário. As mortes desnecessárias de 3.000 pessoas em 11 de setembro de 2001 não são nem mais nem menos importantes do que as mortes daqueles durante as Guerras Mundiais, através de câncer e doenças, acidentes ou qualquer outra coisa.
Como uma sociedade, é seguro dizer que nós buscamos um mundo que estrategicamente limite todas as consequências desnecessárias através de abordagens sociais que permitam a maior segurança que nossa engenhosidade possa criar. É neste contexto que a obsessão neurótica com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 tornou-se grave insulto e prejudicial ao progresso. Criou-se um ambiente em que quantidades ultrajantes de dinheiro, recursos e energia são gastos na busca e destruição de subculturas muito pequenas de seres humanos que apresentam diferenças ideológicas e agem sobre essas diferenças através da violência.
No entanto, apenas nos Estados Unidos a cada ano, cerca de 30.000 pessoas morrem em acidentes automobilísticos, a maioria dos quais poderia ser evitada por mudanças estruturais muito simples. Isso são dez "11 de Setembro" a cada ano... mas ninguém parece lamentar esta epidemia. Da mesma forma, mais de 1 milhão de americanos morrem de doenças cardíacas e câncer por ano - cujas causas atualmente são, em maioria, facilmente ligadas a influências ambientais. No entanto, independentemente dos mais de 330 "11 de Setembro" que ocorrem a cada ano neste contexto, os alocações de orçamentos públicos para pesquisas sobre estas doenças são apenas uma fração do dinheiro gasto em operações "anti-terrorismo".
Tal lista poderia aumentar indefinidamente no que diz respeito à perversão de prioridades quando se trata do verdadeiro significado de se salvar e proteger a vida humana, e espero que muitos por aí possam reconhecer o grave desequilíbrio que temos em mãos, quanto aos nossos valores.
Então, voltando ao ponto de vingança e retaliação, vou concluir esta resposta com uma citação do Dr. Martin Luther King Jr., provavelmente a mais brilhante mente intuitiva quando se tratava de conflitos e do poder da não-violência. Em 15 de setembro de 1963, uma igreja em Birmingham, no Alabama, foi bombardeada, o que causou a morte de quatro meninas que frequentavam as aulas de educação religiosa aos domingos.
Em um discurso público, o Dr. King, declarou:
"O que assassinou as quatro meninas? Olhe ao seu redor. Você vai ver que muitas pessoas que você jamais imaginaria capazes participaram deste ato de maldade. Portanto, esta noite todos nós precisamos sair daqui com uma nova determinação de luta. Deus tem uma tarefa para nós. Talvez a nossa missão seja salvar a alma da América. Não podemos salvar a alma desta nação atirando tijolos. Não podemos salvar a alma desta nação pegando nossas munições e saindo disparando com armas físicas. Temos que saber que temos algo muito mais poderoso. Basta adotar a munição do amor."
Em 1º maio de 2011, o presidente Barack Obama apareceu na televisão norte-americana em cadeia nacional, com o anúncio espontâneo de que Osama bin Laden, o suposto organizador dos trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, foi morto por forças militares no Paquistão.
Logo em seguida uma grande reação da mídia correu em praticamente todas as redes de televisão no que só poderia ser descrita como uma exibição de uma celebração grotesca, reflexo de um nível de imaturidade emocional que beira a psicose cultural. O retrato de pessoas correndo pelas ruas de Nova York e Washington entoando slogans jingoístas americanos, acenando suas bandeiras como os membros de algum culto, louvando a morte de outro ser humano, revela ainda outra camada desta doença que chamamos de sociedade moderna.
Não é o foco desta resposta abordar o uso político de tal evento ou iluminar a orquestração encenada de como a percepção pública seria controlada pela grande mídia e pelo governo dos Estados Unidos. Este artigo trata de expressar a irracionalidade bruta aparente e como nossa cultura torna-se tão facilmente obcecada e carregada emocionalmente em relação à simbologia superficial, e não com verdadeiros problemas de raiz, soluções ou considerações racionais de circunstância.
O primeiro e mais óbvio ponto é que a morte de Osama bin Laden não significa nada quando se trata do problema do terrorismo internacional. Sua morte, simplesmente serve como catarse para uma cultura que tem uma fixação neurótica em vingança e retaliação. O próprio fato de que o Governo que, do ponto de vista psicológico, sempre serviu como uma figura paterna para seus cidadãos, reforça a idéia de que assassinar pessoas é uma solução para qualquer coisa deveria bastar para que a maioria de nós fizesse uma pausa e refletisse sobre a qualidade dos os valores provenientes do próprio zeitgeist.
No entanto, além das distorções emocionais e do padrão trágico e vingativo de recompensar a continuação da divisão humana e da violência, há uma reflexão mais prática em relação ao real problema e a importância desse problema quanto à sua prioridade.
A morte de qualquer ser humano é de uma conseqüência imensurável na sociedade. Nunca é apenas a morte do indivíduo. É a morte de relacionamentos, companheirismo, apoio e da integridade dos ambientes familiar e comunitário. As mortes desnecessárias de 3.000 pessoas em 11 de setembro de 2001 não são nem mais nem menos importantes do que as mortes daqueles durante as Guerras Mundiais, através de câncer e doenças, acidentes ou qualquer outra coisa.
Como uma sociedade, é seguro dizer que nós buscamos um mundo que estrategicamente limite todas as consequências desnecessárias através de abordagens sociais que permitam a maior segurança que nossa engenhosidade possa criar. É neste contexto que a obsessão neurótica com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 tornou-se grave insulto e prejudicial ao progresso. Criou-se um ambiente em que quantidades ultrajantes de dinheiro, recursos e energia são gastos na busca e destruição de subculturas muito pequenas de seres humanos que apresentam diferenças ideológicas e agem sobre essas diferenças através da violência.
No entanto, apenas nos Estados Unidos a cada ano, cerca de 30.000 pessoas morrem em acidentes automobilísticos, a maioria dos quais poderia ser evitada por mudanças estruturais muito simples. Isso são dez "11 de Setembro" a cada ano... mas ninguém parece lamentar esta epidemia. Da mesma forma, mais de 1 milhão de americanos morrem de doenças cardíacas e câncer por ano - cujas causas atualmente são, em maioria, facilmente ligadas a influências ambientais. No entanto, independentemente dos mais de 330 "11 de Setembro" que ocorrem a cada ano neste contexto, os alocações de orçamentos públicos para pesquisas sobre estas doenças são apenas uma fração do dinheiro gasto em operações "anti-terrorismo".
Tal lista poderia aumentar indefinidamente no que diz respeito à perversão de prioridades quando se trata do verdadeiro significado de se salvar e proteger a vida humana, e espero que muitos por aí possam reconhecer o grave desequilíbrio que temos em mãos, quanto aos nossos valores.
Então, voltando ao ponto de vingança e retaliação, vou concluir esta resposta com uma citação do Dr. Martin Luther King Jr., provavelmente a mais brilhante mente intuitiva quando se tratava de conflitos e do poder da não-violência. Em 15 de setembro de 1963, uma igreja em Birmingham, no Alabama, foi bombardeada, o que causou a morte de quatro meninas que frequentavam as aulas de educação religiosa aos domingos.
Em um discurso público, o Dr. King, declarou:
"O que assassinou as quatro meninas? Olhe ao seu redor. Você vai ver que muitas pessoas que você jamais imaginaria capazes participaram deste ato de maldade. Portanto, esta noite todos nós precisamos sair daqui com uma nova determinação de luta. Deus tem uma tarefa para nós. Talvez a nossa missão seja salvar a alma da América. Não podemos salvar a alma desta nação atirando tijolos. Não podemos salvar a alma desta nação pegando nossas munições e saindo disparando com armas físicas. Temos que saber que temos algo muito mais poderoso. Basta adotar a munição do amor."
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Meta revisitada
Por Helô Beraldo
Dizia Guimarães Rosa: “a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia”.
E a página virou sal.
Pequenos grãos caíam em cascata de seus olhos. Ela que gritava como nunca se ouviu. Era a sua história que se desfazia, à medida que as palavras eram jogadas ao vento. Preces, confissões, pessoas, lugares, os sentidos. Os sentidos – tudo se misturava com o ar.
Desapareceu para o desconhecido.
E o novo se fez com o sol, a água, o ar, o chão. O sol trouxe a luz. A água, os sentimentos. O ar, a memória. O chão, o apoio. E ela vivia o novo tranquila. Conduzia os sentidos em direção à essência, ao que é. Pessoas, confissões, lugares têm sentido: são. Tudo o que existe é um.
Expandiu em espiral.
Pequenos grãos caíam em cascata de seus olhos. Ela que gritava como nunca se ouviu. Era a sua história que se desfazia, à medida que as palavras eram jogadas ao vento. Preces, confissões, pessoas, lugares, os sentidos. Os sentidos – tudo se misturava com o ar.
Desapareceu para o desconhecido.
E o novo se fez com o sol, a água, o ar, o chão. O sol trouxe a luz. A água, os sentimentos. O ar, a memória. O chão, o apoio. E ela vivia o novo tranquila. Conduzia os sentidos em direção à essência, ao que é. Pessoas, confissões, lugares têm sentido: são. Tudo o que existe é um.
Expandiu em espiral.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
terça-feira, 5 de abril de 2011
Estamira
Por Luiz Guilherme
Um dia desses estava lendo a ficha técnica do filme “O Lixo Extraordinário”, documentário que concorreu ao Oscar e que retrata o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo, o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Pois bem, o fato é que o nome Jardim Gramacho me chamou a atenção; tinha certeza que já havia ouvido esse nome em algum lugar, e não foi preciso muito tempo para me lembrar aonde. Em poucos segundos a imagem daquela senhora de 63 anos se formou em minha mente: Estamira era o nome dela.
Existem filmes que te fazem questionar os padrões de consciência e as singularidades de cada ser humano, que sempre e sempre nos surpreendem, e, muitas vezes, somos levados a pensar que o interessante, que o sábio, só é possível em meio ao belo, ao exótico, quando muitas vezes é em meio ao caos, ao repudiável e chocante aos olhos da sociedade que se encontram as mais engrandecedoras e impressionantes histórias. É assim com o documentário “Estamira”, do diretor Marcos Prado, que mostra os delírios e a sabedoria de uma senhora de 63 anos que tira o seu sustento do aterro sanitário do Jardim Gramacho – o mesmo retratado no também documentário “O Lixo Extraordinário” – um lugar que recebe mais de 8 mil toneladas de lixo produzidos no Rio de Janeiro.
Uma paisagem desoladora – que mais parece saída de um filme de ficção, daqueles que mostram um mundo futurista destruído por um evento nuclear, com pessoas afetadas pela radiação vivendo apenas pelo instinto de sobrevivência – com poços de gás tóxico que borbulham do chão, corpos de pessoas assassinadas e ali desovados, a montanha de lixo varrida pelo vento em meio à tempestade e, ao fundo, de forma tímida, contrastando com tudo isso, a bela paisagem natural do Rio de Janeiro, ambas colocadas em um mesmo plano (uma sutil ironia, quase como se pudéssemos ver uma fina linha dividindo esses dois mundos tão próximos). Em meio a tudo isso encontra-se Estamira, com sua loucura, sua intensidade, sua sabedoria insana e gutural; Estamira é uma mistura de tudo e de todos, uma enorme miscelânea que vai do médico ao louco, do pastor ao filósofo, da mãe à filha, de deus ao demônio.
O diretor Marcos prado acompanhou o dia a dia de Estamira por mais de 3 anos, presenciando não só o seu trabalho no lixão como também a sua conturbada relação com os filhos e netos, que varia de momentos afetivos à explosões de uma fúria avassaladora.O ponto onde Estamira se mostra mais lúcida é em seu discurso contra o descaso do sistema de saúde pública no tratamento do “quadro de psicose” diagnosticado pelos médicos. “Eles estão dopando quem quer que seja com um só remédio”, “esses remédios são dopantes para cegar os homens”. É com frases como essas que ela se refere às atitudes dos médicos e aos medicamentos receitados sem uma mínima avaliação do paciente, com a intenção apenas de anestesiar os sentidos e não de tratar a causa da doença. “Eles são copiadores... eles só copiam”.
Ao longo do filme a história de Estamira vai revelando os traumas de infância, os conflitos familiares e os muitos motivos para a sua ira e a sua fuga psicótica. Apesar de seu claro distúrbio mental, há em Estamira algo de lucidez, mais que lucidez, algo de sábio. Muitas de suas palavras são dignas de reflexão. Ao falar do lixão, ela mostra uma clareza que muitos não possuem: “Isso aqui é o depósito dos restos. Às vezes vem também descuido (...) conservar as coisas é maravilhoso; lavar, limpar e usar mais. O quanto pode. As pessoas têm que prestar atenção no que elas usam e no que elas têm, porque ficar sem é muito ruim”. Não há como negar a sabedoria de tais palavras.
Estamira é um documentário lírico e intenso, com a crueza de uma loucura repleta de razões.
terça-feira, 15 de março de 2011
Abaixo à Abstração do Mundo
Por Ricardo Urizzi Carvalho
Embora muitos filósofos que se colocaram na condição de pensar a modernidade, como Horkheimer e Adorno na sua tão referida obra a Dialética do Esclarecimento, apontem para uma realidade não mais desfigurada pela noção de ideologia, que se caracterizou desde Marx, como o meio de dominação de classe que se funda na difusão de ideias que interiorizadas pelas classes dominadas dissolvem as contradições concretas a fim de manter o status quo social e a coesão da sociedade em geral.
Vemos que o levante da direita atual recorre ao mesmo artifício para justificar sua condição. Ou seja, a questão final é fazer a abstração do mundo real com idealizações e conceitos que justificam as condições ditas “naturais” de “povo”, “nação”, ou mesmo de “natureza humana”, que se opõem diretamente à ordem jurídica de um Estado de Direito na qual a noção moderna de cidadania implica não em condições abstratas, mas tão somente em elementos concretos e objetivos de direitos e deveres.
Portanto, é preciso sim, fazer a crítica a todas estas incursões ideológica que tem por fim justificar o mundo sob um viés naturalizado, que sorrateiramente usam de meios psicológicos, que tentam capturar e encapsular as subjetividades dentro de si mesmas, inibindo uma visão reivindicatória.
Embora muitos filósofos que se colocaram na condição de pensar a modernidade, como Horkheimer e Adorno na sua tão referida obra a Dialética do Esclarecimento, apontem para uma realidade não mais desfigurada pela noção de ideologia, que se caracterizou desde Marx, como o meio de dominação de classe que se funda na difusão de ideias que interiorizadas pelas classes dominadas dissolvem as contradições concretas a fim de manter o status quo social e a coesão da sociedade em geral.
Vemos que o levante da direita atual recorre ao mesmo artifício para justificar sua condição. Ou seja, a questão final é fazer a abstração do mundo real com idealizações e conceitos que justificam as condições ditas “naturais” de “povo”, “nação”, ou mesmo de “natureza humana”, que se opõem diretamente à ordem jurídica de um Estado de Direito na qual a noção moderna de cidadania implica não em condições abstratas, mas tão somente em elementos concretos e objetivos de direitos e deveres.
Portanto, é preciso sim, fazer a crítica a todas estas incursões ideológica que tem por fim justificar o mundo sob um viés naturalizado, que sorrateiramente usam de meios psicológicos, que tentam capturar e encapsular as subjetividades dentro de si mesmas, inibindo uma visão reivindicatória.
sábado, 5 de março de 2011
Foi pela paz?
Por Matheus Lima
De repente, o Rio estava em paz. Na tv, os “bandidos” em fuga, e o povo em festa. Mas tudo isso não deixava de soar estranho para mim. Desde que me entendo por gente, tenho a lembrança de uma guerra aparentemente perpétua, entre a polícia e os chamados traficantes. Todo dia, no jornal da tv, via os tiroteios, as balas perdidas, as mortes... Quando criança, não entendia porque não usavam tanques de guerra, e outros megazords, para salvar a cidade dos monstros, que nem acontecia no Power Rangers, quando a luta parecia muito difícil e o inimigo muito poderoso.
Já sabia do potencial de combate de tanques e blindados. Sempre via no jornal as tragédias, gente inocente morrendo. Por que não acabavam de uma vez com tudo aquilo? Por fim a tanto sofrimento não era uma razão boa o suficiente para usar toda a força que eu sabia que tinham?
O tempo passou e, após muitas famílias destroçadas, chegou a vez do Brasil para sediar a Copa e as Olimpíadas (no Rio), o que é perfeito para o turismo, diga-se de passagem. No entanto, a FIFA passou a demonstrar preocupação com os casos de violência no Rio, o que poderia ser um empecilho para a realização dos jogos. Foi então que, cerca de dois anos antes do primeiro evento da Copa do Mundo no país, a Copa das Confederações, a paz chegou. De repente, os conflitos que duravam anos foram resolvidos em questão de semanas, os morros que eram marca dos traficantes foram tomados pela polícia e exército. Será que interesse financeiro é uma razão mais forte que a dor e sofrimento de tanta gente?
Hoje, menos ingênuo, deixei de gostar de Power Rangers, e também de acreditar que são monstros o que a polícia está combatendo nas favelas. Mas parece que a infância não passou para todos, me assusta ver como muitas autoridades e pessoas “importantes” vêm no Rio uma guerra do bem contra o mal.
Chamam de “bandidos”, “traficantes”, aqueles para os quais o crime e o tráfico se mostram como única alternativa para sobrevivência e sustento. Esquecem que por trás do “bandido”, do “marginal”, e do “traficante”, há um ser humano esmagado pela desigualdade, e preconceito. Qual será a sensação de ver alguém usando um tênis que custa mais do que você pode receber em um mês, para sustentar (mal) a sua família?
Nesse ponto pode surgir o pensamento: “ah, isso é sensacionalismo barato, os caras da favela ficam podres de rico com o tráfico, vi na TV o luxo em que eles vivem lá”. Vale lembrar que esses casos são exceções, são poucos os que conseguem ter acesso a tantos recursos, por meio do tráfico. Na maior parte dos casos, a verdadeira luta dos traficantes parece ser pela sobrevivência, como mostra essa jornalista, em um documentário que apresenta o ponto de vista dos “bandidos” em relação à guerra e à vida no Rio (ver entrevista a partir de 2:10):
Transcrevi algumas partes do depoimento do traficante:
"É falta de opção, né? Infelizmente a gente veio parar no tráfico, não tem estudo não tem nada, pô. Família não tem boas condições, aí a única oportunidade que a gente tem é isso aqui mesmo, o modo de sobreviver. Tem filho, 3 filhos, tem esposa, tem mãe, mas como é que a gente vai trabalha? Não tem estudo, o governo aqui só pensa neles, a única opção mesmo é o tráfico. A gente tá aí também pra ajudar a comunidade, ajudar a nossa família, a meio do que, a gente arrumar o nosso dinheiro e ir embora com a nossa família.
...estão aproveitando as Olimpíadas pra botar mais polícia, pô. Aí, o que tão fazendo: tomando as comunidades. Botando eles mesmo pra tomar conta da comunidade. E tá tipo expulsando a gente, a gente é criado na comunidade, aí vamos supor, expulsam a gente aqui da comunidade, aí daqui a gente vai pra onde? Aí é onde começa a violência no Rio, a gente não tem outra opção."
Agora caso esse depoimento com essa matéria , em que aparece o subsecretário de planejamento e integração operacional do Rio de Janeiro, Roberto Sá:
"Segundo Sá, nove suspeitos presos recentemente serão transferidos para presídios de outros Estados. Ele afirmou que a transferência foi acertada entre o sistema penitenciário federal e a justiça estadual. O subsecretário não especificou para quais unidades da federação os presos serão levados. "Nossa prioridade nesse momento é fazer com que saiam do Rio de Janeiro", afirmou".
Fazendo uma análise histórica, nos recordamos que, da mesma forma que hoje toda essa gente foge das favelas, no passado a camada popular foi expulsa do centro da cidade para os morros (por conta das reformas urbanas), iniciando o processo de favelização no Rio de Janeiro.
Se a história é mesmo cíclica, então daqui a algum tempo teremos novos Morros do Alemão surgindo, mais violência e mais guerra. Será que interesse financeiro é uma razão mais forte que a dor e sofrimento de tanta gente? Parece que sim...
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Adeus, Eulálio!
Por Carlos Assis
Assim que li o texto Minha Geração, postado pelo Ernesto, lembrei-me do livro Leite Derramado, do Chico Buarque. Mesmo com todos os prêmios, o apelo dos jornais e dos amigos que não arriscaram criticar o lançamento do inviolável da MPB, não havia lido o livro. Mesmo assim, o muito que ouvi falar dele foi suficiente para fazer com que a identificação com o post do meu amigo colunista fosse imediata. Consegui o livro e comecei a lê-lo.
O velho Eulálio, protagonista do livro, é um moribundo centenário preso a um leito de hospital, que entrelaça com esforço os fiapos de memória aos acontecimentos do presente, reconstruindo através de diálogos, solilóquios e devaneios o homem que foi um dia – membro de uma família tradicional, descendente de portugueses, de um barão do Império, de um senador da Primeira República e herdeiro de toda a decadência produzida por essa aristocracia sem virtude que manteve durante séculos seus sobrenomes firmados em alicerces movediços e fragilizados pelo tempo (o tempo, Ernesto, só ele!).
Eulálio inicia sua narrativa delirante dirigindo-se a uma enfermeira(?):
“Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina. Você vai dispor dos rendados, dos cristais, da baixela, das joias e do nome da minha família.”
O saudosismo que alimenta o histórico dessas abastadas famílias cria em torno delas uma aura de heroísmo quase mítico, dando a entender que ingressar nesse universo privado e acessar suas riquezas materiais e imateriais (como o peso do sobrenome) é mais valioso que qualquer coisa; portanto, retribuir tais honrarias como quem contrai uma dívida que não existe, é o mais certo do ponto de vista do patriarcado.
E Eulálio continua: “Minha mulher (...) já era de uma nova geração e não tinha a austeridade da minha mãe.” A mulher nunca será como a mãe porque é um membro agregado à família, e está sobre o crivo da mesma constantemente. Ele demonstra o mesmo ao falar do genro: “Os dinamarqueses me compraram o casarão a preço de banana, por causa das trapalhadas do meu genro.” O culpado pelo fracasso financeiro da família é também um agregado, o genro. Mas, por outro lado, orgulha-se do ancestral figurão do império, um abolicionista, porque queria mandar todos os “pretos brasileiros” de volta para a África.
Assim, cavando a memória, ele se lembra daqueles que o serviram: “(...) volta e meia lhe pedia um favor à-toa, mais para agradar a ele mesmo, que era de índole prestativa.” A lógica arcaica do bom escravo, hoje usada para definir o bom empregado, que serve porque gosta, não porque é mandado ou por questão profissional de interesse mútuo (prestação de serviço em troca de um salário). O curioso é o protagonista confessar que, na solidão, recorre à companhia do servo. Falta-lhe a amizade verdadeira, aquela que só germina onde não há relação de poder. É a solidão que prevalece quando todos os relacionamentos estão fadados aos seus caprichos, mandos e desmandos.
E nesse tom carregado de soberba e arrogância continua o velho Eulálio, fazendo planos para um futuro que não pertence a ele – ele está morrendo –, e, nesse futuro imaginário, ele pensa apenas em reavivar o nome de uma família que já está esfacelada. Lembra-se das propriedades da família que hoje estão soterradas pelos prédios da cidade que, na velocidade que lhe é característica, arrasou todo o cenário onde essa personagem foi rei um dia – por isso ele odeia o novo, a mobilidade, o dinamismo (a cidade cria o anonimato; ninguém conhece Eulálio d’Assumpção).
Eulálio é o Brasil arcaico, aristocrático e coronelista que o tempo, “com sua calma avassaladora”, varre do presente. Ele é o “tudo” e o “todos (...) de que o mundo está farto”.
Adeus, Eulálio!
Assim que li o texto Minha Geração, postado pelo Ernesto, lembrei-me do livro Leite Derramado, do Chico Buarque. Mesmo com todos os prêmios, o apelo dos jornais e dos amigos que não arriscaram criticar o lançamento do inviolável da MPB, não havia lido o livro. Mesmo assim, o muito que ouvi falar dele foi suficiente para fazer com que a identificação com o post do meu amigo colunista fosse imediata. Consegui o livro e comecei a lê-lo.
O velho Eulálio, protagonista do livro, é um moribundo centenário preso a um leito de hospital, que entrelaça com esforço os fiapos de memória aos acontecimentos do presente, reconstruindo através de diálogos, solilóquios e devaneios o homem que foi um dia – membro de uma família tradicional, descendente de portugueses, de um barão do Império, de um senador da Primeira República e herdeiro de toda a decadência produzida por essa aristocracia sem virtude que manteve durante séculos seus sobrenomes firmados em alicerces movediços e fragilizados pelo tempo (o tempo, Ernesto, só ele!).
Eulálio inicia sua narrativa delirante dirigindo-se a uma enfermeira(?):
“Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda da minha feliz infância, lá na raiz da serra. Você vai usar o vestido e o véu da minha mãe, e não falo assim por estar sentimental, não é por causa da morfina. Você vai dispor dos rendados, dos cristais, da baixela, das joias e do nome da minha família.”
O saudosismo que alimenta o histórico dessas abastadas famílias cria em torno delas uma aura de heroísmo quase mítico, dando a entender que ingressar nesse universo privado e acessar suas riquezas materiais e imateriais (como o peso do sobrenome) é mais valioso que qualquer coisa; portanto, retribuir tais honrarias como quem contrai uma dívida que não existe, é o mais certo do ponto de vista do patriarcado.
E Eulálio continua: “Minha mulher (...) já era de uma nova geração e não tinha a austeridade da minha mãe.” A mulher nunca será como a mãe porque é um membro agregado à família, e está sobre o crivo da mesma constantemente. Ele demonstra o mesmo ao falar do genro: “Os dinamarqueses me compraram o casarão a preço de banana, por causa das trapalhadas do meu genro.” O culpado pelo fracasso financeiro da família é também um agregado, o genro. Mas, por outro lado, orgulha-se do ancestral figurão do império, um abolicionista, porque queria mandar todos os “pretos brasileiros” de volta para a África.
Assim, cavando a memória, ele se lembra daqueles que o serviram: “(...) volta e meia lhe pedia um favor à-toa, mais para agradar a ele mesmo, que era de índole prestativa.” A lógica arcaica do bom escravo, hoje usada para definir o bom empregado, que serve porque gosta, não porque é mandado ou por questão profissional de interesse mútuo (prestação de serviço em troca de um salário). O curioso é o protagonista confessar que, na solidão, recorre à companhia do servo. Falta-lhe a amizade verdadeira, aquela que só germina onde não há relação de poder. É a solidão que prevalece quando todos os relacionamentos estão fadados aos seus caprichos, mandos e desmandos.
E nesse tom carregado de soberba e arrogância continua o velho Eulálio, fazendo planos para um futuro que não pertence a ele – ele está morrendo –, e, nesse futuro imaginário, ele pensa apenas em reavivar o nome de uma família que já está esfacelada. Lembra-se das propriedades da família que hoje estão soterradas pelos prédios da cidade que, na velocidade que lhe é característica, arrasou todo o cenário onde essa personagem foi rei um dia – por isso ele odeia o novo, a mobilidade, o dinamismo (a cidade cria o anonimato; ninguém conhece Eulálio d’Assumpção).
Eulálio é o Brasil arcaico, aristocrático e coronelista que o tempo, “com sua calma avassaladora”, varre do presente. Ele é o “tudo” e o “todos (...) de que o mundo está farto”.
Adeus, Eulálio!
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Pior do que está fica sim!
Por Silvio de Assis
Em 14 de setembro de 2010, foi publicada (em poucos veículos de comunicação) a informação de que o juiz da 1ª Vara da Família do Tatuapé, Alberto Amorim Micheli, tinha sido afastado do cargo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo devido a possíveis ligações com o crime organizado. Em uma quebra de sigilo bancário, foi identificada a quantia de R$ 2,7 milhões em sua conta pessoal.
Além disso, Suzana Miller Volpini, a esposa do juiz, também foi investigada e foi identificada a ligação dela com os possíveis líderes da maior facção criminosa do estado de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC). No texto da denúncia, o procurador afirma que Suzana cobrava para atender a pedidos de detentos. “A paciente, segundo a peça acusatória, teria sido cooptada pelo bando, de cujos interessados, individualmente, ou da própria organização criminosa, receberia honorários”. Durante a investigação, também foram descobertas possíveis ligações “extraprofissionais” entre a advogada e a facção, pois ela também fazia visitas íntimas, nos finais de semana, a um dos principais líderes do bando antes de se casar com Micheli. O Ministério Público afastou Amorim e denunciou Suzana por formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Uma pessoa que decide histórias como, por exemplo, para quem conceder a guarda de uma criança, não pode continuar exercendo seu cargo estando possivelmente envolvida com tanta sujeira. Por isso, lendo a notícia, num primeiro momento, quando recebemos esse tipo de informação, ficamos um pouco mais tranquilos, pois é um indício de que a justiça conseguiu fazer o seu papel, principalmente quando é um representante da sociedade que está envolvido com o crime organizado.
Após uma conversa, em sala de aula, com minha professora de legislação, decidi escrever sobre esse caso, pois ela propôs uma discussão observando além do que vimos acima.
Alberto Amorim Micheli foi afastado do cargo e corre o risco de ser condenado à prisão. Porém, por ser um juiz de direito da vara da família, é protegido pela Lei de Magistratura. Essa lei garante que mesmo afastado, ou preso, receberá seu salário até seu último dia de vida. Então, mesmo atrás das grades, sua conta continuará “gordinha”. Essa mesma lei garante também que, caso tenha problemas de saúde, cumpra a pena em regime semiaberto, pois não temos no Brasil prisões estruturadas com clínicas médicas. E, na maioria dos casos, quando esse tipo de pessoa é presa, fica rapidamente doente, o que a impossibilita de continuar na cadeia. Dessa forma, concluímos que ele foi afastado e, se condenado, ficará em casa recebendo um “salariozinho” mais ou menos. Coitado.
Nossa, mas isso é um absurdo e não é justo! Porque um criminoso investigado por formação de quadrilha, que pratica seus crimes com a própria esposa, ainda continuará recebendo seu salário (que é pago pela sociedade)?
Não... não é um absurdo.
Sabe por quê?
Pensemos juntos...
Como é possível mudar essa regalia de um juiz que não tem medo da justiça do nosso país porque sabe que o pior que lhe pode acontecer é ser afastado do trabalho e continuar recebendo seu salário até morrer?
Fácil. Com projetos de leis que mudem a lei da magistratura.
Quem é que pode fazer isso?
Um deputado federal.
Ah, sim! Então em breve isso vai mudar, correto?
Utopicamente, podemos dizer que sim. Mas quem foi mesmo o deputado federal mais votado do país?
Sim... ele que está nesse momento (segunda-feira, 07/02/2011) exercendo sua verdadeira profissão com maestria na televisão, o “abestado” Tiririca.
Em 14 de setembro de 2010, foi publicada (em poucos veículos de comunicação) a informação de que o juiz da 1ª Vara da Família do Tatuapé, Alberto Amorim Micheli, tinha sido afastado do cargo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo devido a possíveis ligações com o crime organizado. Em uma quebra de sigilo bancário, foi identificada a quantia de R$ 2,7 milhões em sua conta pessoal.
Além disso, Suzana Miller Volpini, a esposa do juiz, também foi investigada e foi identificada a ligação dela com os possíveis líderes da maior facção criminosa do estado de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC). No texto da denúncia, o procurador afirma que Suzana cobrava para atender a pedidos de detentos. “A paciente, segundo a peça acusatória, teria sido cooptada pelo bando, de cujos interessados, individualmente, ou da própria organização criminosa, receberia honorários”. Durante a investigação, também foram descobertas possíveis ligações “extraprofissionais” entre a advogada e a facção, pois ela também fazia visitas íntimas, nos finais de semana, a um dos principais líderes do bando antes de se casar com Micheli. O Ministério Público afastou Amorim e denunciou Suzana por formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Uma pessoa que decide histórias como, por exemplo, para quem conceder a guarda de uma criança, não pode continuar exercendo seu cargo estando possivelmente envolvida com tanta sujeira. Por isso, lendo a notícia, num primeiro momento, quando recebemos esse tipo de informação, ficamos um pouco mais tranquilos, pois é um indício de que a justiça conseguiu fazer o seu papel, principalmente quando é um representante da sociedade que está envolvido com o crime organizado.
Após uma conversa, em sala de aula, com minha professora de legislação, decidi escrever sobre esse caso, pois ela propôs uma discussão observando além do que vimos acima.
Alberto Amorim Micheli foi afastado do cargo e corre o risco de ser condenado à prisão. Porém, por ser um juiz de direito da vara da família, é protegido pela Lei de Magistratura. Essa lei garante que mesmo afastado, ou preso, receberá seu salário até seu último dia de vida. Então, mesmo atrás das grades, sua conta continuará “gordinha”. Essa mesma lei garante também que, caso tenha problemas de saúde, cumpra a pena em regime semiaberto, pois não temos no Brasil prisões estruturadas com clínicas médicas. E, na maioria dos casos, quando esse tipo de pessoa é presa, fica rapidamente doente, o que a impossibilita de continuar na cadeia. Dessa forma, concluímos que ele foi afastado e, se condenado, ficará em casa recebendo um “salariozinho” mais ou menos. Coitado.
Nossa, mas isso é um absurdo e não é justo! Porque um criminoso investigado por formação de quadrilha, que pratica seus crimes com a própria esposa, ainda continuará recebendo seu salário (que é pago pela sociedade)?
Não... não é um absurdo.
Sabe por quê?
Pensemos juntos...
Como é possível mudar essa regalia de um juiz que não tem medo da justiça do nosso país porque sabe que o pior que lhe pode acontecer é ser afastado do trabalho e continuar recebendo seu salário até morrer?
Fácil. Com projetos de leis que mudem a lei da magistratura.
Quem é que pode fazer isso?
Um deputado federal.
Ah, sim! Então em breve isso vai mudar, correto?
Utopicamente, podemos dizer que sim. Mas quem foi mesmo o deputado federal mais votado do país?
Sim... ele que está nesse momento (segunda-feira, 07/02/2011) exercendo sua verdadeira profissão com maestria na televisão, o “abestado” Tiririca.
“Abestado”? Não. “Abestado” é outra pessoa.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Minha geração
Por Ernesto de Castro
Minha geração, entregue à inércia do seu tempo, espera, com a paciência que lhe é característica – um misto de inquietação e rebeldia, fruto de caprichos e mimos –, a passagem do tempo; deposita no ato diário de virar as folhas dos calendários a justiça que aprendeu a não fazer questão, não reivindicar, não trazer ao mundo. É o tempo – só ele – que pode, com a sua calma avassaladora, varrer do presente tudo o que virou passado, mas que insiste em reivindicar espaço no agora – e que o tudo, vá acompanhado do todos que compartilha o ranço das ideias de que o mundo está farto.
Pobre cavaleiro errante, esse tal tempo. Vaga por essa época com a tarefa que não lhe cabe, enquanto nós depositamos nele nossas esperanças, porque a única certeza que temos é a de que não vamos fazer nada.
...
Que eu esteja errado.
Minha geração, entregue à inércia do seu tempo, espera, com a paciência que lhe é característica – um misto de inquietação e rebeldia, fruto de caprichos e mimos –, a passagem do tempo; deposita no ato diário de virar as folhas dos calendários a justiça que aprendeu a não fazer questão, não reivindicar, não trazer ao mundo. É o tempo – só ele – que pode, com a sua calma avassaladora, varrer do presente tudo o que virou passado, mas que insiste em reivindicar espaço no agora – e que o tudo, vá acompanhado do todos que compartilha o ranço das ideias de que o mundo está farto.
Pobre cavaleiro errante, esse tal tempo. Vaga por essa época com a tarefa que não lhe cabe, enquanto nós depositamos nele nossas esperanças, porque a única certeza que temos é a de que não vamos fazer nada.
...
Que eu esteja errado.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Autorretrato
Por Helô Beraldo
Trabalhando em um catálogo de literatura infantojuvenil, me deparei com um livro com que gostei muito de trabalhar. Na capa, ele tem um hot stamping que simula um espelho, o que foi a madeleine do meu dia.
Certa manhã, um original caiu em minhas mãos. Primeira versão de um livro que retratava apenas o pessimismo de uma pessoa que deveria ter sofrido algum trauma e o vomitado em palavras. Precisava dar minha opinião, mas resolvi ficar quieta para não fazer a cova de Schopenhauer tremer sob meus pés. Passados alguns meses, o editor resolveu perguntar o que eu tinha achado do livro: suei frio, falei e ouvi seu eco – o livro não tinha mesmo agradado. Foi pedida uma nova versão para a autora, com todo o cuidado e respeito que se deve ter em uma situação como essa [as ilustrações não tiveram uma segunda versão, pois eram ótimas].
Passadas algumas semanas, a nova versão já estava em minhas mãos. Fui surpreendida, pois a autora havia escrito outro livro, com toda a humildade de quem consegue ouvir a crítica sem se abalar. Gostei tanto desse livro, que minha empolgação acabou em um pedido do editor: “Helô, quero que você escreva uma introdução, tá?”.
***
Certa manhã, um original caiu em minhas mãos. Primeira versão de um livro que retratava apenas o pessimismo de uma pessoa que deveria ter sofrido algum trauma e o vomitado em palavras. Precisava dar minha opinião, mas resolvi ficar quieta para não fazer a cova de Schopenhauer tremer sob meus pés. Passados alguns meses, o editor resolveu perguntar o que eu tinha achado do livro: suei frio, falei e ouvi seu eco – o livro não tinha mesmo agradado. Foi pedida uma nova versão para a autora, com todo o cuidado e respeito que se deve ter em uma situação como essa [as ilustrações não tiveram uma segunda versão, pois eram ótimas].
Passadas algumas semanas, a nova versão já estava em minhas mãos. Fui surpreendida, pois a autora havia escrito outro livro, com toda a humildade de quem consegue ouvir a crítica sem se abalar. Gostei tanto desse livro, que minha empolgação acabou em um pedido do editor: “Helô, quero que você escreva uma introdução, tá?”.
***
“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta
[…]
Mas um dia afinal eu toparei comigo...”
Mário de Andrade, “Eu sou trezentos”, em Poesias completas.
A poesia trabalha palavras e formas. A prosa nos conta, com palavras e de forma livre, algum fato. A prosa poética põe lirismo nas palavras de quem descreve o cotidiano. As artes plásticas, ligadas às palavras, dão forma ao que sentimos.
As imagens, as cores e as palavras mostram os espelhos em que nos refletimos diariamente: o olhar-se na família, na casa, na cidade, no mundo; as escolhas e as respostas que definirão o que ser ou não ser; percepções de gostos, desgostos, do tempo passando; a descoberta dos segredos, do sentir amor, da identificação com o outro, do eu.
Autorretrato, de Renata Bueno, prosa poética em diário, registra momentos, sentimentos e questionamentos do eu, do você, do ele, de nós todos. Há, ao virar das páginas, tentativas de se responder à pergunta que consideramos a mais difícil, já que há sempre mais de uma resposta para ela: afinal, quem sou eu?
Autorretrato, de Renata Bueno, foi publicado pelo selo Larousse jovem, em 2009.
[…]
Mas um dia afinal eu toparei comigo...”
Mário de Andrade, “Eu sou trezentos”, em Poesias completas.
A poesia trabalha palavras e formas. A prosa nos conta, com palavras e de forma livre, algum fato. A prosa poética põe lirismo nas palavras de quem descreve o cotidiano. As artes plásticas, ligadas às palavras, dão forma ao que sentimos.
As imagens, as cores e as palavras mostram os espelhos em que nos refletimos diariamente: o olhar-se na família, na casa, na cidade, no mundo; as escolhas e as respostas que definirão o que ser ou não ser; percepções de gostos, desgostos, do tempo passando; a descoberta dos segredos, do sentir amor, da identificação com o outro, do eu.
Autorretrato, de Renata Bueno, prosa poética em diário, registra momentos, sentimentos e questionamentos do eu, do você, do ele, de nós todos. Há, ao virar das páginas, tentativas de se responder à pergunta que consideramos a mais difícil, já que há sempre mais de uma resposta para ela: afinal, quem sou eu?
Autorretrato, de Renata Bueno, foi publicado pelo selo Larousse jovem, em 2009.
domingo, 30 de janeiro de 2011
Na natureza selvagem
por Luiz Guilherme
Até que ponto o ser humano pode se dizer livre? Até que ponto somos independentes e responsáveis por nossas atitudes? Seria a liberdade absoluta mera utopia? Para Christopher MacCandless, a resposta era simples: sim, a liberdade máxima e absoluta existe, porém não quando se vive em sociedade; não quando se é envenenado pelas civilizações e oprimido por leis e obrigações maçantes; não quando se exalta bens materiais e relações que nos afastam da verdade de nossa existência.
De maneira no mínimo louvável, o ator e diretor Sean Penn trouxe às telas Na Natureza Selvagem, filme que relata a busca de Christopher MacCandless por essa liberdade, que, para ele, só poderia ser encontrada em meio à natureza, retornando ao estado natural, deixando para trás a estrutura de uma sociedade opressora.
A história de MacCandles é verídica e foi transformada em livro pelo autor Jon Krakauer em 1997. Christopher Johnson MacCandless nasceu em 1968 e cresceu no estado da Virgínia (EUA). Filho de um engenheiro da Nasa e altamente influenciado por seus autores favoritos – que incluíam Tolstói, Thoreau, Jack London, entre outros –, aos 22 anos, após se formar na universidade com notas praticamente perfeitas, MacCandless doa todas as suas economias para a caridade e, sem avisar a família, foge em busca de sua aventura física e espiritual. Tornando-se, então, o andarilho Alexander Supertramp, durante dois anos MacCandless viajou por estradas, campos e rios sem um destino certo, jornada esta que se mostraria como uma preparação para o que ele chamava de “A grande aventura”: enfrentar a solidão e a imensidão do Alasca, para ele o ponto mais isolado da civilização e onde ele estaria em verdadeira comunhão com a natureza e longe das relações humanas que tanto o incomodavam.
Na melhor atuação de Sean Penn como diretor, o filme conta com a imprescindível participação do diretor de fotografia Eric Gautier (Diários de Motocicleta), que consegue inserir o personagem nas paisagens não apenas como um coadjuvante, mas como parte integrante da mesma. Isso sem falar da grande atuação de Emile Hirsch (O Despertar de uma Adolescência, Milk, Aconteceu em Woodstock), que pareceu ter encontrado o papel mais significativo de sua carreira até então: Hirsch perdeu cerca de 15 quilos para fazer as cenas finais do filme e recusou a participação de dublês mesmo nas cenas mais perigosas. A trilha sonora fica por conta do cantor Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam. Neste trabalho solo, Vedder, que já havia sido parceiro de Sean Penn no filme Os Últimos Passos de um Homem, tocou todos os instrumentos em várias das músicas e compôs uma trilha que caiu como uma luva no ritmo e na fotografia do filme, ajudando a contar a história e a passar os sentimentos do personagem.
***
Na Natureza Selvagem é um filme visualmente, sonoramente e emocionalmente bonito, e faz uma profunda reflexão sobre a sociedade e as relações humanas. É claro que a ideia de felicidade é algo totalmente relativo. Não existe uma fórmula, uma receita ou um manual de como ser ou onde encontrar a felicidade, e não há como negar que essa felicidade esteve presente em vários momentos da vida de MacCandless desde que ele optou pelo isolamento. Não nego, também, a possibilidade de que talvez seja possível viver e ser feliz dessa maneira e, por isso, respeito e admiro sua busca; no entanto, acho que há muito mais nas relações humanas, no contato com o outro, na humanidade que cada indivíduo traz em si, no universo de possibilidades que há em cada ser humano, mesmo se por muitas vezes esse convívio se mostre demasiadamente complicado e difícil.
Até que ponto o ser humano pode se dizer livre? Até que ponto somos independentes e responsáveis por nossas atitudes? Seria a liberdade absoluta mera utopia? Para Christopher MacCandless, a resposta era simples: sim, a liberdade máxima e absoluta existe, porém não quando se vive em sociedade; não quando se é envenenado pelas civilizações e oprimido por leis e obrigações maçantes; não quando se exalta bens materiais e relações que nos afastam da verdade de nossa existência.
De maneira no mínimo louvável, o ator e diretor Sean Penn trouxe às telas Na Natureza Selvagem, filme que relata a busca de Christopher MacCandless por essa liberdade, que, para ele, só poderia ser encontrada em meio à natureza, retornando ao estado natural, deixando para trás a estrutura de uma sociedade opressora.
A história de MacCandles é verídica e foi transformada em livro pelo autor Jon Krakauer em 1997. Christopher Johnson MacCandless nasceu em 1968 e cresceu no estado da Virgínia (EUA). Filho de um engenheiro da Nasa e altamente influenciado por seus autores favoritos – que incluíam Tolstói, Thoreau, Jack London, entre outros –, aos 22 anos, após se formar na universidade com notas praticamente perfeitas, MacCandless doa todas as suas economias para a caridade e, sem avisar a família, foge em busca de sua aventura física e espiritual. Tornando-se, então, o andarilho Alexander Supertramp, durante dois anos MacCandless viajou por estradas, campos e rios sem um destino certo, jornada esta que se mostraria como uma preparação para o que ele chamava de “A grande aventura”: enfrentar a solidão e a imensidão do Alasca, para ele o ponto mais isolado da civilização e onde ele estaria em verdadeira comunhão com a natureza e longe das relações humanas que tanto o incomodavam.
Na melhor atuação de Sean Penn como diretor, o filme conta com a imprescindível participação do diretor de fotografia Eric Gautier (Diários de Motocicleta), que consegue inserir o personagem nas paisagens não apenas como um coadjuvante, mas como parte integrante da mesma. Isso sem falar da grande atuação de Emile Hirsch (O Despertar de uma Adolescência, Milk, Aconteceu em Woodstock), que pareceu ter encontrado o papel mais significativo de sua carreira até então: Hirsch perdeu cerca de 15 quilos para fazer as cenas finais do filme e recusou a participação de dublês mesmo nas cenas mais perigosas. A trilha sonora fica por conta do cantor Eddie Vedder, vocalista da banda Pearl Jam. Neste trabalho solo, Vedder, que já havia sido parceiro de Sean Penn no filme Os Últimos Passos de um Homem, tocou todos os instrumentos em várias das músicas e compôs uma trilha que caiu como uma luva no ritmo e na fotografia do filme, ajudando a contar a história e a passar os sentimentos do personagem.
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Na Natureza Selvagem é um filme visualmente, sonoramente e emocionalmente bonito, e faz uma profunda reflexão sobre a sociedade e as relações humanas. É claro que a ideia de felicidade é algo totalmente relativo. Não existe uma fórmula, uma receita ou um manual de como ser ou onde encontrar a felicidade, e não há como negar que essa felicidade esteve presente em vários momentos da vida de MacCandless desde que ele optou pelo isolamento. Não nego, também, a possibilidade de que talvez seja possível viver e ser feliz dessa maneira e, por isso, respeito e admiro sua busca; no entanto, acho que há muito mais nas relações humanas, no contato com o outro, na humanidade que cada indivíduo traz em si, no universo de possibilidades que há em cada ser humano, mesmo se por muitas vezes esse convívio se mostre demasiadamente complicado e difícil.
sábado, 22 de janeiro de 2011
Os dois paradigmas
por Ricardo Carvalho
O texto postado pelo caro Matheus, que se intitula “A Metáfora da Rede Elétrica”, despertou em mim, quase que de modo imediato, duas possíveis concepções de fundo que se apresentam como determinantes das deliberações, ou seja, das decisões que de modo unilateral têm sido tomadas no que diz respeito ao uso dos meios tecnológicos.
É bom lembrar que a tecnologia produzida pela ciência em geral não tem um fim em si mesma, mas se configura como um meio para a manipulação e dominação das condições naturais em que vivemos. Sendo assim, a tecnologia enquanto posta como meio, não é boa nem ruim. Tão logo, a questão do uso da tecnologia não está condicionada por ela própria, mas ela, enquanto simples meio, está condicionada pelos fins, ou seja, pelos objetivos que damos a ela, e que somente por meio dela nos é possível alcançar, uma vez que o homem não age de outro modo em relação à natureza, senão por meio da técnica.
Com efeito, quais são os fins que queremos alcançar com os meios tecnológicos disponíveis? A determinação destes fins implica decisões geralmente tomadas de modo unilateral, que infelizmente não são deliberações tomadas dentro do campo democrático em que a sociedade civil se demonstra ativa, sobre as quais nem mesmo os cientistas em geral têm arbítrio. Mas como o próprio Matheus já cita, são as grandes corporações que financiam geralmente as pesquisas, ou quando não, o que tem se tornado assaz comum, acabam por coptar pesquisas financiadas com recursos públicos para os seus fins privados.
Isto é sintoma comum do que chamamos de neoliberalismo ou a doutrina do livre mercado idealizada por Milton Friedman, que potencializou o afã selvagem pelo lucro a partir da coptação dos ativos estatais em todo mundo pelas ambições privadas das grandes corporações, o que teve como resultado o desmonte do Estado de Bem estar Social pensado Keynes após a queda da bolsa em 29.
Portanto, as decisões são determinadas pelos fins, isto é, o que se quer alcançar ao decidir? Quais são os fins que se procura alcançar com as decisões que determinam as aplicações tecnológicas existentes? Será a sustentabilidade do planeta ou a disseminação do bem comum? Bem sabemos que não, e o texto do Matheus é claro acerca disso. O único fim, o fim último de todas as decisões e ações, seja no mundo corporativo, político ou ético, se tornou o lucro.
Haja vista, o fato de vivenciarmos em nossos dias a raridade de atos genuinamente éticos, em que as ações são executadas sem nada buscar em troca. Uma demonstração do quanto são inusitadas e discrepantes tais ações que não buscam o lucro, é o fato de serem amplamente divulgadas na mídia como dados inéditos e incomuns.
Tendo em vista o lucro como valor supremo da humanidade ocidental, o texto do caro Matheus coloca de modo implícito o pano de fundo pelo qual são tomadas as decisões ou aquelas que deveriam ser tomadas quanto ao uso da tecnologia. Há neste pano de fundo dois paradigmas distintos e paradoxais.
Retiro aqui a noção de “paradigma” da filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn expresso em seu texto “A Estrutura das Revoluções Científicas”, na qual o “paradigma” se configura como uma visão geral compartilhada pela comunidade de cientistas, que tem os meios necessários para interpretar os fenômenos com os quais as ciências se ocupam.
Contudo, não recorro à noção de paradigma dentro de uma perspectiva epistemológica (de como conhecemos ou interpretamos o mundo real), mas dentro de uma visão prática e, portanto, ética. Isto é, o paradigma determinante da ação e os fins que a estimulam.
Esclarecendo isso, vivemos e experimentamos os efeitos deletérios da supremacia do paradigma da lucratividade em oposição ao paradigma da sustentabilidade.
O primeiro tem como determinante a busca do lucro viabilizado pela implementação de uma razão instrumental e calculista que nada lhe deixa escapar, cujo fim é a manutenção da dominação e do controle por meio da vinculação do “cabo”.
Neste paradigma, o individualismo é a condição necessária para a implementação do controle, pois o indivíduo em isolamento é mais fácil de ser controlado e medido em suas reações, do que a liberdade criativa proveniente de um universo solidário. Assim, o indivíduo em seu isolamento deve ser estimulado e controlado, para que o artifício do sistema se prolongue e se processe.
O que lhe é determinante, ou seja, o que quer alcançar é os dividendos acrescidos como lucro. Portanto, trata-se de um paradigma com fins essencialmente econômicos? Sim, mas não é econômico na acepção mais forte da palavra, ademais, visa a contradizer a noção de economia em sua origem. Ao passo que a noção original de economia implica uma concepção mais responsável que a elevação dos dividendos dos acionistas de uma empresa.
Etimologicamente, “economia” se faz a partir da composição de dois termos grego, oikos, que significa “casa”, com o termo nomia, que remete a “ordem”, ou numa visão mais orgânica, “cuidado”.
Portanto, a despeito de todo paradigma que se justifica pelo viés de uma noção econômica, o paradigma da sustentabilidade se revela em toda sua plenitude, numa sintonia intrínseca com a concepção do “cuidado da casa”, que implica, consequentemente, ganhos sociais e éticos.
Este paradigma se condiciona a partir de uma razão ética que pressupõe o respeito, a liberdade e a solidariedade dos indivíduos em relação ao meio integrante que experimenta, olhando este meio e os outros sujeitos que o integram como um outro efetivo que lhe interpela por respeito, não como um mero objeto a ser consumido que gera dividendo mensuráveis. A relação aqui não é controlada e nem pode ser mensurada como o próprio Matheus afirma, mas é livre, o que implica responsabilidade.
Com efeito, nos surgem as questões: Como implementar a prática deste paradigma da sustentabilidade que se encontra somente no discurso, cujas ações são raras e inusitadas? Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade? Responder a estas e outras questões que nos surgirem, nos sugere inevitavelmente entrar no campo de batalha da ética e da política, campos nos quais as ações se dão efetivamente.
O texto postado pelo caro Matheus, que se intitula “A Metáfora da Rede Elétrica”, despertou em mim, quase que de modo imediato, duas possíveis concepções de fundo que se apresentam como determinantes das deliberações, ou seja, das decisões que de modo unilateral têm sido tomadas no que diz respeito ao uso dos meios tecnológicos.
É bom lembrar que a tecnologia produzida pela ciência em geral não tem um fim em si mesma, mas se configura como um meio para a manipulação e dominação das condições naturais em que vivemos. Sendo assim, a tecnologia enquanto posta como meio, não é boa nem ruim. Tão logo, a questão do uso da tecnologia não está condicionada por ela própria, mas ela, enquanto simples meio, está condicionada pelos fins, ou seja, pelos objetivos que damos a ela, e que somente por meio dela nos é possível alcançar, uma vez que o homem não age de outro modo em relação à natureza, senão por meio da técnica.
Com efeito, quais são os fins que queremos alcançar com os meios tecnológicos disponíveis? A determinação destes fins implica decisões geralmente tomadas de modo unilateral, que infelizmente não são deliberações tomadas dentro do campo democrático em que a sociedade civil se demonstra ativa, sobre as quais nem mesmo os cientistas em geral têm arbítrio. Mas como o próprio Matheus já cita, são as grandes corporações que financiam geralmente as pesquisas, ou quando não, o que tem se tornado assaz comum, acabam por coptar pesquisas financiadas com recursos públicos para os seus fins privados.
Isto é sintoma comum do que chamamos de neoliberalismo ou a doutrina do livre mercado idealizada por Milton Friedman, que potencializou o afã selvagem pelo lucro a partir da coptação dos ativos estatais em todo mundo pelas ambições privadas das grandes corporações, o que teve como resultado o desmonte do Estado de Bem estar Social pensado Keynes após a queda da bolsa em 29.
Portanto, as decisões são determinadas pelos fins, isto é, o que se quer alcançar ao decidir? Quais são os fins que se procura alcançar com as decisões que determinam as aplicações tecnológicas existentes? Será a sustentabilidade do planeta ou a disseminação do bem comum? Bem sabemos que não, e o texto do Matheus é claro acerca disso. O único fim, o fim último de todas as decisões e ações, seja no mundo corporativo, político ou ético, se tornou o lucro.
Haja vista, o fato de vivenciarmos em nossos dias a raridade de atos genuinamente éticos, em que as ações são executadas sem nada buscar em troca. Uma demonstração do quanto são inusitadas e discrepantes tais ações que não buscam o lucro, é o fato de serem amplamente divulgadas na mídia como dados inéditos e incomuns.
Tendo em vista o lucro como valor supremo da humanidade ocidental, o texto do caro Matheus coloca de modo implícito o pano de fundo pelo qual são tomadas as decisões ou aquelas que deveriam ser tomadas quanto ao uso da tecnologia. Há neste pano de fundo dois paradigmas distintos e paradoxais.
Retiro aqui a noção de “paradigma” da filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn expresso em seu texto “A Estrutura das Revoluções Científicas”, na qual o “paradigma” se configura como uma visão geral compartilhada pela comunidade de cientistas, que tem os meios necessários para interpretar os fenômenos com os quais as ciências se ocupam.
Contudo, não recorro à noção de paradigma dentro de uma perspectiva epistemológica (de como conhecemos ou interpretamos o mundo real), mas dentro de uma visão prática e, portanto, ética. Isto é, o paradigma determinante da ação e os fins que a estimulam.
Esclarecendo isso, vivemos e experimentamos os efeitos deletérios da supremacia do paradigma da lucratividade em oposição ao paradigma da sustentabilidade.
O primeiro tem como determinante a busca do lucro viabilizado pela implementação de uma razão instrumental e calculista que nada lhe deixa escapar, cujo fim é a manutenção da dominação e do controle por meio da vinculação do “cabo”.
Neste paradigma, o individualismo é a condição necessária para a implementação do controle, pois o indivíduo em isolamento é mais fácil de ser controlado e medido em suas reações, do que a liberdade criativa proveniente de um universo solidário. Assim, o indivíduo em seu isolamento deve ser estimulado e controlado, para que o artifício do sistema se prolongue e se processe.
O que lhe é determinante, ou seja, o que quer alcançar é os dividendos acrescidos como lucro. Portanto, trata-se de um paradigma com fins essencialmente econômicos? Sim, mas não é econômico na acepção mais forte da palavra, ademais, visa a contradizer a noção de economia em sua origem. Ao passo que a noção original de economia implica uma concepção mais responsável que a elevação dos dividendos dos acionistas de uma empresa.
Etimologicamente, “economia” se faz a partir da composição de dois termos grego, oikos, que significa “casa”, com o termo nomia, que remete a “ordem”, ou numa visão mais orgânica, “cuidado”.
Portanto, a despeito de todo paradigma que se justifica pelo viés de uma noção econômica, o paradigma da sustentabilidade se revela em toda sua plenitude, numa sintonia intrínseca com a concepção do “cuidado da casa”, que implica, consequentemente, ganhos sociais e éticos.
Este paradigma se condiciona a partir de uma razão ética que pressupõe o respeito, a liberdade e a solidariedade dos indivíduos em relação ao meio integrante que experimenta, olhando este meio e os outros sujeitos que o integram como um outro efetivo que lhe interpela por respeito, não como um mero objeto a ser consumido que gera dividendo mensuráveis. A relação aqui não é controlada e nem pode ser mensurada como o próprio Matheus afirma, mas é livre, o que implica responsabilidade.
Com efeito, nos surgem as questões: Como implementar a prática deste paradigma da sustentabilidade que se encontra somente no discurso, cujas ações são raras e inusitadas? Como desatar os meios tecnológicos sustentáveis já existentes do monopólio das decisões condicionadas pelo paradigma da lucratividade? Responder a estas e outras questões que nos surgirem, nos sugere inevitavelmente entrar no campo de batalha da ética e da política, campos nos quais as ações se dão efetivamente.
sábado, 15 de janeiro de 2011
A metáfora da rede elétrica
por Matheus Lima
Recentemente, conversei com alguns amigos a respeito de tecnologias. O papo girou em torno dessas descobertas fantásticas que poderiam revolucionar o mundo como o conhecemos hoje, se não fosse o lobby de grandes empresas e corporações. Durante a conversa, um deles nos mostrou um aparelho, hoje utilizado apenas como decoração de ambientes, que, segundo ele, é análogo a um protótipo da bobina de Tesla, uma máquina que permite transmitir energia elétrica, sem utilização de fios.
Apresentando-nos o aparelho, ele fez uma pequena demonstração, aproximando do mesmo uma lâmpada fluorescente, que acendeu em sua mão.
Reconhecemos ali a tecnologia, desenvolvida há décadas, que poderia ter poupado uma quantidade enorme dos recursos utilizados para a confecção de fios, postes de energia, e toda a parafernália envolvida no sistema de distribuição da rede elétrica.
Sabíamos que a razão dessa tecnologia, tão mais limpa e eficiente, não ter sido adotada, era simples: não seria possível medir e, portanto, cobrar, pela quantidade de energia utilizada individualmente. Um mundo com livre acesso à energia!? Que absurdo, quem iria lucrar com isso!?
Depois dessa experiência, passei a ver os fios como uma representação do individualismo, característica tão necessária para o bom funcionamento do sistema financeiro. Lá estão eles, dominando todos os cantos, todos os lugares, atingindo todas as casas, todas as cidades, emporcalhando o que outrora era de uma beleza rara. Enquanto a coletividade está ali de canto, apenas para decoração de sala.
Recentemente, conversei com alguns amigos a respeito de tecnologias. O papo girou em torno dessas descobertas fantásticas que poderiam revolucionar o mundo como o conhecemos hoje, se não fosse o lobby de grandes empresas e corporações. Durante a conversa, um deles nos mostrou um aparelho, hoje utilizado apenas como decoração de ambientes, que, segundo ele, é análogo a um protótipo da bobina de Tesla, uma máquina que permite transmitir energia elétrica, sem utilização de fios.
Apresentando-nos o aparelho, ele fez uma pequena demonstração, aproximando do mesmo uma lâmpada fluorescente, que acendeu em sua mão.
Reconhecemos ali a tecnologia, desenvolvida há décadas, que poderia ter poupado uma quantidade enorme dos recursos utilizados para a confecção de fios, postes de energia, e toda a parafernália envolvida no sistema de distribuição da rede elétrica.
Sabíamos que a razão dessa tecnologia, tão mais limpa e eficiente, não ter sido adotada, era simples: não seria possível medir e, portanto, cobrar, pela quantidade de energia utilizada individualmente. Um mundo com livre acesso à energia!? Que absurdo, quem iria lucrar com isso!?
Depois dessa experiência, passei a ver os fios como uma representação do individualismo, característica tão necessária para o bom funcionamento do sistema financeiro. Lá estão eles, dominando todos os cantos, todos os lugares, atingindo todas as casas, todas as cidades, emporcalhando o que outrora era de uma beleza rara. Enquanto a coletividade está ali de canto, apenas para decoração de sala.
domingo, 9 de janeiro de 2011
Primeiro post
por Carlos Assis
O ano terminou, começou um novo, e eu fiquei com a impressão de que muita coisa não foi dita. Mas em 2010 aconteceu, e se falou tanta coisa! – alguém pode dizer. Talvez o imediatismo da notícia e da análise dos fatos tenha impedido uma reflexão a respeito de alguns retrocessos que o mundo viveu, principalmente, no segundo semestre do ano passado. É por isso que, apesar da quantidade de informação produzida, continuo com a impressão de que o diálogo urgente nem sempre tomou conta dos periódicos nem ocupou as pessoas.
A discussão desses temas urgentes, que escolhemos chamar de transversais, junto com a arte, a literatura, o cinema e tudo o que é belo e inspirador, constroem pontes valiosas para a formação de uma sociedade mais ética, inclusiva e justa. Segundo o DIEB (Dicionário Interativo da Educação Brasileira), o MEC define os temas transversais como temas que estão voltados para a compreensão, construção da realidade social e dos direitos e das responsabilidades relacionados com a vida pessoal e coletiva, e com a afirmação do princípio da participação política. Os temas transversais, nesse sentido, correspondem a questões importantes e presentes sob várias formas na vida cotidiana.
Muitos sites, blogs e comunidades on-line já tratam desses temas. O transversais não tem a pretensão de ser um blog inédito, a não ser pela originalidade dos textos e dos materiais aqui publicados. Atingir aqueles que não fazem parte do convívio de cada colunista do blog, transformando os assuntos aqui abordados em pontes que nos levem até outros grupos, é um objetivo que pretendemos alcançar como consequência do que será tratado em cada texto e trabalho aqui publicado, nunca com a meta de forçar repercussão ou aceitação das nossas ideias.
Acreditamos que a transversalidade dos temas não deve estar apenas nas instituições de ensino nem ser promovida exclusivamente por formadores de opinião, mas deve estar presente nas conversas corriqueiras. O dar de ombros para essas questões tem nos cobrado um preço alto demais. Eis o motivo para um blog. Semanalmente, em cada postagem, pretendemos alcançar esse objetivo. Sejam bem-vindos e sintam-se livres para opinar nos comentários de cada post.
O ano terminou, começou um novo, e eu fiquei com a impressão de que muita coisa não foi dita. Mas em 2010 aconteceu, e se falou tanta coisa! – alguém pode dizer. Talvez o imediatismo da notícia e da análise dos fatos tenha impedido uma reflexão a respeito de alguns retrocessos que o mundo viveu, principalmente, no segundo semestre do ano passado. É por isso que, apesar da quantidade de informação produzida, continuo com a impressão de que o diálogo urgente nem sempre tomou conta dos periódicos nem ocupou as pessoas.
A discussão desses temas urgentes, que escolhemos chamar de transversais, junto com a arte, a literatura, o cinema e tudo o que é belo e inspirador, constroem pontes valiosas para a formação de uma sociedade mais ética, inclusiva e justa. Segundo o DIEB (Dicionário Interativo da Educação Brasileira), o MEC define os temas transversais como temas que estão voltados para a compreensão, construção da realidade social e dos direitos e das responsabilidades relacionados com a vida pessoal e coletiva, e com a afirmação do princípio da participação política. Os temas transversais, nesse sentido, correspondem a questões importantes e presentes sob várias formas na vida cotidiana.
Muitos sites, blogs e comunidades on-line já tratam desses temas. O transversais não tem a pretensão de ser um blog inédito, a não ser pela originalidade dos textos e dos materiais aqui publicados. Atingir aqueles que não fazem parte do convívio de cada colunista do blog, transformando os assuntos aqui abordados em pontes que nos levem até outros grupos, é um objetivo que pretendemos alcançar como consequência do que será tratado em cada texto e trabalho aqui publicado, nunca com a meta de forçar repercussão ou aceitação das nossas ideias.
Acreditamos que a transversalidade dos temas não deve estar apenas nas instituições de ensino nem ser promovida exclusivamente por formadores de opinião, mas deve estar presente nas conversas corriqueiras. O dar de ombros para essas questões tem nos cobrado um preço alto demais. Eis o motivo para um blog. Semanalmente, em cada postagem, pretendemos alcançar esse objetivo. Sejam bem-vindos e sintam-se livres para opinar nos comentários de cada post.
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